Na edição anterior de Consciência de Classe iniciamos a visitar a experiência do POUM na Espanha dos anos 1930. Tal tema de avaliação histórica se combina com movimentações políticas de socialistas e revolucionários que tem se desenvolvido pelo planeta, como no exemplo recente dos britânicos (ver boxe). Aqui, seguimos apontando aspectos da curta vida do POUM e a crítica trotsquista sobre a mesma. Partimos do pressuposto que a inciativa pela unidade entre grupos socialistas com bom grau de identidade no contexto espanhol foi absolutamente correto. No entanto, na prática política esta organização falhou na luta de classes: sua política e encaminhamentos centrais foram desastrosos no contexto de ascenso popular no país e ante o avanço fascista. É possível analisar a experiência do POUM identificando e separando, em certo sentido, estes dois aspectos.
Tal partido, desde sua unificação, de fato possuía uma posição bastante crítica à esquerda tradicional daquele período (socialistas e comunistas), setor que junto aos partidos da burguesia ‘democrática’ formaria a Frente Popular na Espanha. Ao mesmo tempo, é justo reconhecer que, durante a guerra civil, o POUM se posicionou (de forma insuficiente e contraditória) contra a estratégia stalinista/social-democrata de limitar-se a defender o governo republicano. Vale ressaltar que mesmo antes da Segunda Guerra (1939-1945) já era, em boa medida, uma política privilegiada do stalinismo e da social-democracia um apego à ordem capitalista “democrática” combinada à submissão à burocracia ‘soviética’. No caso espanhol, como será demonstrado, esta ‘esquerda da ordem’ foi decisiva para o desmantelamento da resistência antifascista e a posterior vitória da Falange de Franco.(1)
Num sentido oposto, o POUM defendeu expropriações, ocupações de terras e fábricas. Ainda, sugeria que era preciso derrotar o conjunto da burguesia para impedir a expansão do golpe fascista de Franco. Inicialmente, também foi defensor dos vários comitês de base surgidos no início da resistência antifascista nas fábricas, nos bairros, no campo e nos fronts. O partido chegou a apontar que eles deveriam se unificar em um poder proletário revolucionário, mas chegou a desmobilizar barricadas e mobilizações independentes da classe trabalhadora colaborando com o governismo republicano.
Com o avanço da Guerra Civil na Espanha, os espaços de autonomia da militância antifascista foram substituídos gradualmente pela imposição da ideia de defender e restaurar a institucionalidade burguesa, também debilitada por Franco e pelo avanço fascista que desmontava o regime democrático burguês. Nesta altura, o POUM já compunha o governo republicano com o ministro Andreu Nin e via sua militância saltar para 40 mil militantes, aproximadamente. Era uma força minoritária, mas com influência e capacidade de incidir no contexto espanhol polarizado que dava espaço para as ideias socialistas e revolucionárias, mas também para o fascismo em ascensão na Europa. É verdade que a aliança com o governo republicano aproximou militantes, mas também cabe ressaltar que a visão mais à esquerda e radical do POUM também aproximou muita gente num contexto de grande resistência antifascista.
Considerando-se todos estes fatores, infelizmente, o partido manteve-se prisioneiro de uma espécie de ‘centrismo endêmico’: fazia saudações à Revolução, mas era parte da Frente Popular, indo muito além da unidade antifascista, certamente necessária. E este parece ser um ponto central: seria possível combater de forma unitária o fascismo sem compor o governo burguês republicano? Sem dúvida, do nosso ponto de vista. Seria possível e necessário ressaltando que tal tema tem grande atualidade e, em clássicas palavras, seria possível golpear unificados, mas marchar separados.
A dura crítica de Trotsky
Trotsky naquele momento vivia o duro exílio da Noruega em transição para o México, onde seria assassinado em 1940. Mesmo em condições adversas, ele conseguiu acompanhar e escreveu sobre o contexto espanhol. Foi duro na crítica da unificação que gerou o POUM e muito mais na análise das políticas do partido. Segundo ele, os “comunistas de esquerda” eram vacilantes, conciliadores e centristas: a crítica, na média, foi duríssima durante a formação do POUM e também depois da consolidação do partido, pois ele enxergava a organização como “oportunista e traidora”.
Para Trotsky, ao criticar a tática de aliança do POUM com a Frente Popular, os verdadeiros revolucionários deveriam traduzir as condições particulares do seu país para a linguagem internacional do marxismo, ou seja, não se limitar às realidades locais. O POUM simplesmente havia aplicado “servilmente a política que o VII Congresso da Internacional Comunista impôs a todas as suas seções”, igualando a política do partido espanhol ao do estalinismo sobre apoiar governos de “Frentes Populares”. Ainda, “em vez de mobilizar as massas contra os dirigentes reformistas, incluídos os anarquistas, o POUM tentava convencer esses senhores acerca das vantagens do socialismo sobre o capitalismo”. Ou seja, o partido buscava pressionar a realidade pela esquerda, mas evitava um rompimento com as suas direções, o que o deixava à reboque dos stalinistas e sociais-democratas.
A crítica de Trotsky afastou o POUM das articulações prévias à formação da 4ª Internacional que seria fundada em 1938. Ele também considerou que a unidade entre correntes distintas havia sido um erro, gerando um programa centrista que justificava a capitulação ao governo republicano. Tendo dose de razão na sua análise, Trotsky não priorizou manter o diálogo nem com o setor mais à esquerda dentro do POUM e colocou toda a experiência desta organização como desastrosa, sem mediações. Sobre este aspecto, vale destacar que o partido tinha divisões em suas fileiras: havia em Madrid militantes que cooperavam com os trotskistas e criticavam o caráter burguês do governo republicano da Frente Popular defendendo a estratégia revolucionária. Em outro campo, por sua vez, as regionais com mais influência do antigo ‘Bloco’ bukharinista, declaravam apoio ao governo republicano e condenavam o “radicalismo” dos setores mais críticos.
Neste contexto, a luta unitária antifascista alicerçada no governismo e apoio à Frente Popular, justificava tudo para a linha política que se tornaria dominante no POUM. Tal escolha ajudou a enterrar as possibilidades revolucionárias naquela Espanha radicalizada, mas pior de tudo é que tal colaboração não iria garantir nem a existência do próprio partido. Na próxima edição de Consciência de Classe trataremos do desmantelamento e ilegalização do POUM durante o acirramento da Guerra Civil espanhola.
Notas
(1) A Falange foi um partido que representava a união de algumas correntes da extrema direita de inspiração fascista na Espanha, fundada em 1934. Lutavam contra o socialismo, tiveram o apoio militar e financeiro dos governos italiano e alemão empenhados na luta anticomunista. Os falangistas atuaram na Guerra Civil liderados pelo General Franco.
Textos consultados:
LAURIA MONTEIRO, Marcio. A história esquecida do trotskismo na Revolução Espanhola: o POUM e os “bolchevique–leninistas”. Izquierdas. Santiago: nº 32, marzo 2017.
TROTSKY, Leon. A Traição do “Partido Operário de Unificação Marxista” Espanhol. Janeiro de 1936. Acesso em ‘www.marxists.org/portugues/trotsky/1936/01/22.htm’.
Unidade socialista no Reino Unido
No mês de julho, mais de mil militantes participaram de reunião para a criação de um novo partido de esquerda no Reino Unido, em oposição ao Partido Trabalhista e aos demais partidos tradicionais. Sindicalistas, jovens e deputados independen-tes ou em ruptura com o Partido Trabalhista defenderam uma pauta progressiva contra a austeridade do imperialismo britânico e o apoio ‘trabalhista’ ao genocídio israelense sionista em Gaza. Esta importantíssima iniciativa pode ser uma alterna-tiva radical e combativa aos socialistas e revolucionários britânicos, o que só po-derá ser feito unindo experiências e distintas tradições numa síntese qualificada e com base programática sólida. Acompanhamos com expectativa tal iniciativa. |