Seres humanos são, ao mesmo tempo, absolutamente necessários e totalmente supérfluos para o capital” (MÉSZÁROS,2011, p. 802)
Esse texto tem por finalidade entender as principais tendências da luta de classes no momento atual. Dessa forma, busca-se construir um posicionamento mais consistente sobre os principais fatos dessa luta, utilizando como base os princípios do marxismo revolucionário.-
Notas metodológicas
Nosso desafio é superar o entendimento da realidade apenas pelos seus aspectos aparentes e conseguir encontrar mecanismos que nos permitam mergulhar na realidade até a sua essência, aquilo que explica o que vemos e entender a lógica que está escondida sob os aspectos fenomênicos. Importante essa localização metodológica, porque ela nos ajuda a nos afastar das explicações parciais que reinam nos debates políticos. Não vamos encher de citações esse texto, mas nesse momento é importante destacar a questão metodológica: “O mundo fenomênico tem estrutura própria, que pode ser revelada e descrita. Contudo, sua estrutura não capta a relação entre o mundo fenomênico e a essência. Captar o fenômeno de determinada coisa significa indagar e descrever como a “coisa em si” se manifesta naquele fenômeno e, ao mesmo tempo, nele se esconde. Compreender o fenômeno é atingir a essência” (Kosik)
O esforço aqui, como marxistas, é buscar compreender a realidade como uma totalidade contraditória com múltiplas determinações e cada uma dessas determinações têm dinâmicas próprias e ao mesmo tempo relacionadas com essa totalidade maior. Esse método nos permite entender os processos políticos (economia, extrema-direita, conflitos sociais, etc.) e, por consequência, chegar à compreensão da realidade como uma totalidade. Esse é o objetivo, mas somos cientes das nossas limitações e que, contando todos os nossos esforços, ainda teremos uma avaliação parcial da realidade, no entanto, buscaremos entender a realidade o mais a fundo possível.
Se essa compreensão metodológica é importante para a realidade como um todo, mais ainda é para a economia, particularidade que apresenta variações constantes (às vezes, diárias) de crescimento, inflação, desemprego, etc. O que pode nos empurrar para desconsiderar os aspectos mais relevantes e se apoiar em situações que não se desenvolveram plenamente. É o caso do debate sobre o crescimento econômico mundial que, frequentemente, pela esquerda ou pela direita, se limita a aparência dos fatos.
Começamos por alguns dados da economia, porque eles nos oferecem elementos – mesmo sendo uma particularidade – para a compreensão das questões políticas, disputas entre os Estados e frações da burguesia que reflete as condições de vida da classe trabalhadora, podendo levar a mobilizações. O outro passo é entender a dinâmica desses dados.
Crescimento lento e crise estrutural do capital
As estimativas para o crescimento do PIB global para 2024 pelo FMI é de 3,2%. Para o Banco Mundial, o PIB global de 2024 deve crescer 2.7%. É um número que serve de referência, mas deve ser visto com reservas, porque não mostra as desigualdades existentes na economia mundial. Crescimentos da China (4,8%), da Índia(6,5%), África, países ricos ou do G20 têm ritmos e crescimentos diferenciados. Por exemplo, tanto a Zona do Euro quanto a União europeia – por vários motivos- têm crescimentos muito menores em relação à média mundial, considerando as especificidades da Europa em que cada país também possui uma realidade (Alemanha deve ficar – 0,2%, Espanha 3,1%; França 1,1% e países ricos 2%). Esses dados gerais servem como uma referência, mas é preciso trabalhar com eles como “uma totalidade formada por outras totalidades contraditórias”.
Em termos comparativos e considerando os dados do FMI, o PIB de 2024 (3,2%) está abaixo da média dos últimos 20 anos que foi de 3,8% (para o Banco mundial, o crescimento médio entre 2000-2019 foi de 3,7%), indicando uma tendência mais geral de crescimento lento e abaixo (expressões da crise estrutural do capital que veremos mais à frente).
Mesmo com avanço do PIB em ritmo muito menor considerado em relação a décadas passadas, a China (4,8%) e a Índia (6.6%) estão entre as taxas de crescimento mais altas da economia mundial, mas é baseado nas exportações (muitas empresas multinacionais só produzem no país e a distribuição é para outros mercados) países e está relacionado com a redistribuição da produção mundial) é ainda países que tem economia fortemente amparada nas exportações. A China conseguiu uma acumulação de capital interno que garante investimentos liderados pelo Estado em áreas importantes como ciência, tecnologia, construção, renovação das forças armadas, etc. que permitiram colocá-la em posição de destaque na cena política mundial. A sua importância mundial até coloca o debate se já é um país imperialista. A Índia, com uma presença cada mais vez mais forte, ainda ocupa uma posição de “periferia do sistema” (outros tratam como semi-periferia).
É fato que os Estados Unidos crescem mais que os seus pares, mas é um crescimento muito baixo quando comparado a décadas passadas. A Europa vive uma fase de estagnação, com crescimento em níveis muito baixos, inclusive com debates econômicos que a colocam em fase de decadência e com risco de, nas próximas décadas, não ter países europeus figurando entre os mais ricos. O Japão convive há décadas com uma economia cambaleante e crescimentos muito abaixo da média mundial. A América Latina segue a sua trajetória histórica de uma economia dependente na qual os países imperialistas sugam suas riquezas e forçam o deslocamento de imensas quantidades de riquezas. O continente africano é outra diversidade e é impossível tratar como uma só realidade, mas no geral o crescimento econômico médio está um pouco acima da geral. É um destaque os acordos no marco da nova rota da sede, programa que a China impulsiona e tem investido bilhões de dólares, são mais de 3 mil empresas chinesas no continente e há intensa relação comercial com os vários países. No entanto, esses acordos não resultam em desenvolvimento interno significativo, pois tanto a força de trabalho como a tecnologia utilizadas são chinesas. A invasão da Ucrânia e a ativação da máquina de guerra permitiu a Rússia crescer mais de 4% em 2023 e 2024.
Informações reforçam o caráter desigual da economia capitalista mundial. Mais para frente vamos entender que essas desigualdades se refletem também no campo político.
Um elemento orientador: a crise estrutural do capital.
Temos como um eixo central, a avaliação de um período histórico caracterizado como crise estrutural do capital. Como já tratamos em outros textos, é uma crise profunda, estrutural, que impede que o capital consiga a valorização pelos “mecanismos normais”, é uma crise que “possui um caráter universal que não se restringe a uma esfera particular; seu “alcance é verdadeiramente global” sendo que atinge todos os países; sua escala de tempo é “extensa, contínua”, ou melhor, é “permanente” em contraposição a uma crise cíclica, situada num determinado período; seu “modo de se desdobrar poderia ser chamado de rastejante” (Mészáros)
O caráter histórico dessa crise está no fato de que ela elevou suas contradições e não pode ser superada nos marcos do capitalismo, pois é a expressão do esgotamento do processo de valorização do capital e com isso há um desarranjo nos instrumentos clássicos de controle do capital. Podemos citar, brevemente, a desestruturação do taylorismo/fordismo e a substituição pelo taylorismo, a imposição do capital financeiro (crédito e especulativo) sobre o produtivo, a crise do Estado bem-estar-social, flexibilização do aparato legal trabalhista e social, entre outros.
E, ainda na breve conceituação, a crise estrutural “reside dentro e emana das três dimensões internas” do capital que consistem na produção, no consumo e na circulação/distribuição/realização”. Destacando esses elementos em sua totalidade, constituem uma base fundamental para o processo de valorização do capital, mas como há desequilíbrio nessa relação, estamos diante de uma crise. Como Mészáros diz, perturbações internas nessa totalidade revela falhas e até impossibilidade de superação das contradições que surgem no interior do sistema e assim leva o sistema a “romper o processo normal de crescimento”.
No entanto, os capitalistas não assistem passivamente esse processo, passam a elaborar e aplicar formas para superar esses obstáculos. Neoliberalismo, Toyotismo, privatizações, desregulamentações das conquistas sociais, fortalecimento do capital financeiro/especulativo, destruição do meio ambiente são todas consequências das “racionalidades das personificações do capital”. E é exatamente na implementação dessas medidas que são ativados os “limites absolutos do capital” e junto com esses, consequentemente, é acionado o caráter destrutivo da produção capitalista.
Feita essa localização, precisamos levar em consideração três pontos:
1) Essa crise corresponde a um período histórico, dentro do qual podem ocorrer oscilações de crescimento e queda, mas prevalece a tendência geral de queda e contradições no sistema. É uma mudança de qualidade no funcionamento do sistema, porque, para enfrentar essa tendência geral, precisa recorrer a mecanismos cada vez mais artificiais e predatórios. Isso quer dizer o capital pode se recuperar das crises periódicas, mas por mecanismos que já indicam nova crise em um curto intervalo de tempo;
2) os ciclos de crescimento não indica a superação da crise estrutural, que é insuperável nos marcos do capital, porém os instrumentos utilizados criaram desestabilizações de toda ordem que coloca em risco não só o capital em si, mas também a própria humanidade, como é o caso do colapso ambiental com indicações de a humanidade estar próxima da irreversibilidade dos problemas ambientais;
3) como consequência da anterior, a crise estrutural do capital não se confunde com a crise final do capitalismo, pois se trata de um fenômeno de longo alcance e se estende por um longo período histórico, uma lenta marcha em direção ao declínio. Quanto mais se acentua esse declínio, mais a burguesia lança mão de métodos e medidas cada vez mais agressivas para administrar o sistema. Se não for detido e sua lógica continuar sendo aplicada às últimas consequências (como o processo de autovalorização exige) “nem barbárie teremos”. Por isso, mais do que nunca, a ação revolucionária das massas é a única possibilidade de existência da humanidade.
Crescimento lento, tendências à estagnação e contradições
A economia caminhava para, não obstante as contradições, uma certa estabilidade com algum crescimento, mas lento, próximo da estagnação. No entanto, as medidas trouxeram novos elemento que aumentaram exponencialmente as contradições e, de pronto, não podemos afastar a possibilidade de uma recessão global. Esse rumo vai depender essencialmente de como caminha as tratativas entre Estados Unidos e China principalmente.
É um processo a ser acompanhado e, conforme o processo se desenvolva, fazer os ajustes necessários porque as variantes aumentaram e não temos como fazer prognósticos com algum grau de certeza. De todo modo, se prevalecer a política de Trump (no momento desse texto, Estados Unidos taxou a China em 245%), há quase um consenso entre os analistas burgueses de ter uma recessão global bastante profunda.
Em síntese, é um processo em aberto e nem é possível afirmar que Trump não vai recuar porque há muitas pressões até mesmo de sua base de apoio político.
Temos presenciado um processo no qual a burguesia em todas as partes do mundo tem conseguido impor sobre a classe trabalhadora pesados ajustes, numa combinação de ação política (propagandas do empreendedorismo, a força da extrema-direita e etc.) para conseguir implementar essas medidas, contando com a ação política determinada das representações burguesas e uma paralisia de um setor importante da classe. Uma observação: aqui já afirmamos que há lutas sim, de resistência e é nelas que devemos nos apoiar. As reformas dos sistemas de aposentadoria em vários países, o corte de serviços públicos, a redução salarial (inclusive nos países imperialistas onde se impõe a “equalização da taxa de exploração” com os trabalhadores dos países da periferia do sistema), a precarização das relações de trabalho (informalidade, jornada parcial de trabalho, trabalho intermitente, etc), a inflação que leva a diminuição do poder de compra do salário, entre outras tantas formas de gestão do capital, são alguns dos mecanismos que os Estados foram implementando e deram base para o aumento da lucratividade do capital.
Esse conjunto de medidas contribuíram para o capital aumentar a produção da riqueza baseada no aumento da exploração sobre a classe trabalhadora. É importante destacar e reforçar que esse processo é generalizado, uma realidade mundial, mas contando também com algumas desigualdades e ritmos diferentes, dependendo de país para país. Conta também a correlação de forças favoráveis à burguesia, bloqueando a maioria dos processos de resistência da classe trabalhadora.
A realidade oferece muitos elementos para comprovar essa ideia: o primeiro é diminuição proporcional do trabalho na renda global. Segundo o relatório da OIT, em 2024, essa perda foi de 1,6% e a mesma OIT destaca que “Embora a queda pareça modesta em termos de pontos percentuais, em 2024 representa um déficit anual na renda do trabalho de US$ 2,4 trilhões em comparação com o que os trabalhadores teriam ganho se a participação na renda do trabalho permanecesse estável desde 2004”. Essa é uma das demonstrações da taxa de exploração imposta pela burguesia mundial.
Nos períodos de crescimento econômico, a burguesia também deixa algumas migalhas para a classe trabalhadora, ainda que sejam cada vez menos, o que também se expressa nos salários. Dados da OIT indicam que, em termos globais, o salário aumentou em termos reais 2,7% no ano de 2024, dado que precisa ser relativizado, porque
a) prevalece a desigualdade, pois África, América do Norte e partes da Europa o crescimento real ficou estagnado e até negativo;
b) permanece a distância, 22% dos trabalhadores dos países periféricos ganham menos da metade do salário médio por hora em relação aos países imperialistas;
c) há desigualdade salarial entre homens e mulheres – maior contingente submetido ao trabalho precarizado;
d) há o aumento de 29% na produtividade em países de alta renda entre 1999 e 2024 e, nesse mesmo período, os salários reais aumentaram apenas 15%. Lembrando Marx “A produtividade do capital, antes de mais nada consiste… na coerção para se obter trabalho excedente”.
Assim, com base nesses elementos, podemos concluir que, globalmente, a economia capitalista cresceu (com desigualdades regionais/países), mas de forma lenta, aquém do necessário para o capital. E a outra conclusão é que foi sob a base de mais exploração, aumento da taxa de mais-valia global.
Também não podemos perder de vista que estamos sob uma crise estrutural do capital, na qual os crescimentos econômicos são lentos, insuficientes para solução definitiva da crise e estão amparados em medidas econômicas “de tiro curto”, de curto prazo e fruto de políticas econômicas elaboradas pelos “administradores das crises”, como diz Mészáros, “descobre um buraco para tampar o outro”.
Para reforçar essa ideia de instabilidade e contradições num longo período, é interessante o levantamento feito pelo economista de esquerda indiano Prabhat Patnaik (numa matéria publicada em outubro/24 no aepet.org.br) sobre as oscilações da economia, levou-o a caracterizar a existência de uma estagnação da economia mundial a partir dos anos 1970. Ele parte de uma comparação de longo prazo e sustenta que o neoliberalismo, ao contrário do discurso neoliberal, não representou taxas do PIB mais elevadas do que o período anterior. Contrastando com dados por períodos mais longos, sustenta que “Na medida do possível, escolhi os anos de pico e calculei as taxas de crescimento da economia mundial de pico a pico, o que certamente dá uma imagem mais fiável da mudança secular da taxa de crescimento. Os anos específicos são 1961, 1973, 1984, 1997, 2007 e 2018, que foi o último ano de pico antes do início da pandemia”. Sendo assim, 1961-1973 – 5,4 %; 1973-1984 – 2,9 %; 1984-1997 – 3,1 %; 1997-2007 – 3,5 %; 2007-2018 – 2,7 % e no período de 2018 e 2022, a taxa de crescimento do PIB “foi de uns escassos 2,1% ao ano”. Ainda que possamos debater sobre o conceito, de todo modo, esses números confirmam as oscilações e as dificuldades da burguesia mundial após os anos 1970, início da crise estrutural do capital.
As contradições: capital especulativo e sem lastro
As crises mostram como o discurso liberal sobre o Estado é uma falácia. Na crise de 2008, segundo estudos do FMI, o rombo no orçamento dos principais Estados capitalistas foi de US$ 9,2 trilhões, mais US$ 1,6 trilhão dos países periféricos. Só para o sistema financeiro dos Estados Unidos foi concedido US$700 bilhões, dinheiro que diziam não existir quando os trabalhadores apresentavam suas reivindicações. E esse dinheiro nunca retornou aos cofres públicos.
Essa imensa quantidade de dinheiro não resolveu o problema e nenhuma outra política vai conseguir queimar esse “capital sobrante”, capital sem lastro. Revelando uma alta concentração da riqueza mundial, de acordo com o FMI, o PIB mundial em 2024 é de aproximadamente US$ 110 trilhões. Mais da metade concentrada em cinco países: Estados Unidos com US$29 trilhões, a China com US$18,27 trilhões, Alemanha US$4,7 trilhões, Japão com US$4,07 trilhões e Índia com US$3,88 trilhões. Essa produção material é que deveria dar lastro para as operações de crédito e financeiras, mas a realidade é bem diferente. A maior parte do capital escrito em papeis nesses fundos, nas bolsas de valores, simplesmente não existe na vida real. Segundo Paulo Kliass em artigo no site Brasil247, a soma das operações de derivativos (operações financeiras que derivam de outro valor, por exemplo, uma penhora vendida por valor maior), de acordo com o BIS (o Banco central dos bancos centrais), é US$ 700 trilhões, são 7 vezes mais o valor real da economia. São capitais que não tem sustentação, é como se alguém tivesse um bem valendo 10 mil e devesse 70 mil, a diferença é que a burguesia tem o poder político (e repressivo) e consegue criar mecanismos para “rolar” o problema.
A esses valores, também podemos colocar as ações nas bolsas de valores, espaços especulativos para as empresas valorizarem em base a balanços fraudados, como foi o caso da loja Americanas no Brasil. Como a economia mundial já está organizada sobre essa lógica, um desajuste em um desses derivativos (criptomoedas, por exemplo) desarranja todo o sistema.
As crises explosivas exigem mais dinheiro, todavia essa transferência de recursos estatais para os capitalistas é prática cotidiana e é a base de toda política econômica na qual o Estado é o grande financiador do grande capital, com a maior parte sendo destinada ao setor financeiro do capital, notadamente o especulativo (dívida pública, política de juros, etc.).
Essa é uma das contradições estruturais, sendo as mesmas da crise de 2008 para afirmar que as bases que lhe deram causa permanecem ativadas.
Endividamento
O endividamento global – privado ou público – é um elemento importante para a compreensão da situação mundial, definindo, por exemplo, o limite de recursos para os serviços públicos, de modo que uma luta em defesa da Universidade Pública é, em última instância, uma disputa para definir se os recursos públicos vão para a Educação Pública ou para os especuladores.
O endividamento não é necessariamente um problema para o capitalismo, na verdade o crédito faz o capitalismo girar, pois permite tanto o consumo de massas, como novos investimentos no processo produtivo. A venda de casas, de carros, novas máquinas na indústria e até a infraestrutura do país (estradas, hospitais e etc.) dependem de empréstimos realizados pelos bancos. No entanto, quando esse processo sai do controle se torna um elemento de crise e instabilidade, pois pode frear essa movimentação sustentada pelo crédito. Essas operações são realizadas pelos bancos e o lucro (juros) desses emprestadores é pago com a divisão da mais-valia que o capitalista industrial extrai dos trabalhadores.
Ocorre que o capitalismo passou por mudanças profundas no decorrer do século XX e no aprofundamento de concentração de capitais, há o processo de fusão do capital bancário com o capital industrial (industriais controlam bancos, banqueiros controlam indústria…), dando origem ao capital financeiro, formando uma das bases dos grandes monopólios. E nesse processo, sobretudo a partir dos anos 1970, com a queda das taxas de lucros no processo produtivo, uma parte importante do capital se deslocou para o ciclo financeiro que se mostrou mais lucrativo. Também como parte desse processo, um setor desses capitalistas passa a priorizar aplicações de curto prazo e sem vínculo com a produção, que são os títulos de dívida pública, ações, derivativos e outros mecanismos especulativos que retiram recursos do processo produtivo e joga nessa esfera especulativa que chamamos de capital fictício.
Para o que nos interessa nesse momento, destacamos que essa concentração de capitais reforçou o papel dirigente dessa fração burguesa a qual se sobrepôs e subordinou as demais e, algo muito importante, se apropriou do poder político de Estado, seja por governos “progressistas” ou por “reacionários”. E essa lógica vai continuar, pois, como já demonstramos acima, o volume desse capital fictício acumulado é muito grande e transformou o Estado em refém dessa condição por conta da autonomia que adquiriu e ao mesmo tempo não há um poder capaz de controlar esse capital. Com isso, os governos vão continuar descarregando sobre a população os custos para manter esse mecanismo. Essa é a base dos ajustes fiscais, das desregulamentações, do rebaixamento dos salários e tantas outras ações que já descrevemos.
Nesse movimento, o endividamento público se manifesta como poderoso instrumento de pressão para moldar as políticas econômicas dos diversos países, obrigando os governos a reservarem parte significativa do orçamento público para o mecanismo da dívida pública.
O próprio Banco Mundial apresenta que em 2023 os países periféricos (que chamam de países em desenvolvimento) pagaram uma dívida pública de US$1,4 trilhão, só de juros foi mais de US$ 400 bilhões, mostrando que os aumentos generalizados da taxa de juros se constituem como mais um elemento de apropriação da mais-valia e fortalecendo o capital especulativo. É um poço em fundo que, mesmo com pagamento desse montante, a dívida externa total em 2023 ainda é de 8,8 trilhões de dólares e a dívida pública global chega aos 97 trilhões de dólares (mais de 90% do PIB mundial). A soma da dívida pública e privada global é ainda mais estarrecedora. O volume total da dívida global é de 313 trilhões de dólares, quase três mais o PIB mundial.
O endividamento é uma das demonstrações do poder dos financistas sobre os Estados e ao mesmo tempo a justificativa para a retirada das políticas com os pesados ajustes econômicos (nomes como controle de gastos públicos, arcabouço fiscal e etc.), retirada de direitos (limites para aposentadoria, por exemplo) e restrições ao serviço público (corte de verbas da educação, saúde, etc.), priorizando a transferência de recursos públicos a esses especuladores em detrimento do povo trabalhador.
O impacto do sistema da dívida sobre a classe trabalhadora mundial é profundo: 3,3 bilhões de pessoas, quase metade da população mundial, vivem em países que gastam mais para pagar os juros da dívida do que em áreas como educação e saúde. Segundo a OXFAM “mais de metade (57%) dos países mais pobres do mundo, onde vivem 2,4 bilhões de pessoas, estão tendo que reduzir os gastos públicos em um total combinado de 229 bilhões de dólares durante os próximos cinco anos”.
Então, colocamos o endividamento como mais um elemento de instabilidade econômica e política. Econômica, porque condiciona as ações do Estado e política pelo potencial de rebeliões sociais de resistência às políticas de ajuste contra o povo para manter os compromissos com os detentores da dívida.
A concentração de renda e riqueza. O abismo entre capital e trabalho (elementos para nos auxiliar na propaganda revolucionária)
Como vimos anteriormente, não há nenhuma possibilidade de que a vida das pessoas vá melhorar, pelo contrário, estamos num caminho sem retorno, tanto no curto, quanto no longo prazo. Também como já vimos, estruturalmente, a tendência são as contradições se aprofundarem e produzirem crises cada vez mais frequentes. A seguir, veremos como produtos dessas contradições já se manifestam conjunturalmente.
E é fundamental que a organização capte esses elementos da realidade, pois a condição econômica do povo, em geral, é o que empurra às rebeliões, ou seja, quando percebem que se não fizerem nada, sua vida ficará insuportável. É a partir delas que podemos fazer algumas previsões da dinâmica da luta de classes.
A seguir, alguns dados, pois se faz necessário buscarmos mais elementos para incorporar nos argumentos e nos nossos materiais, a fim de reforçar as nossas argumentações. Dados coletados de matérias/dossiês do FMI, Banco Mundial e OXFAM e fontes acadêmicas.
São 2.781 bilionários no mundo , 141 a mais do que em 2023. Juntos, esse pequeno grupo tem uma fortuna de US$ 15 trilhões ou aproximadamente R$ 90 trilhões. São US$ 2 trilhões a mais em relação a 2023. E no pico dessa pirâmide estão apenas 10 pessoas e, somadas as suas riquezas, acumulam US$ 2,03 trilhões (mais de 11 trilhões em reais) por dia, havendo um acréscimo de US$ 100 milhões nessa riqueza. Considerando fortunas acima dos US$ 100 bilhões (mais de R$ 505 bilhões) são apenas 16 pessoas.
Se o patrimônio dos cinco bilionários mais ricos continuar aumentando nesse ritmo, haverá o primeiro trilionário (de dólares!) em 10 anos. O número de milionários e bilionários também continuará aumentando e, em contrapartida, nesse mesmo ritmo, a pobreza não será eliminada antes de 230 anos.
A divisão internacional do trabalho e a transferência de capital dos países periféricos para os centrais é outra explicação da origem dessa riqueza, é a representação do colonialismo, quando 68% dos bilionários (e detêm 77% da riqueza total) vive nos países ricos do Norte, ainda que representem 20% da população mundial. Outro dado: o 1% dos mais ricos do norte global extraiu mais de 30 milhões de dólares por hora do sul global. Todos os bilionários com menos de 30 anos conseguiram a riqueza com a herança e o poder do monopólio, sendo responsáveis por 18% dessa riqueza, como se vê, o empreendedorismo não é um caminho para ficar bilionário. Esses dados mostram a riqueza como produto das diversas formas de expropriação.
Se de um lado há essa concentração, com o 1% mais rico possuindo 45% da riqueza global, de outro lado 3,6 bilhões de pessoas vivem com menos de 6,85 dólares (considerados pobre, com +- 40 reais) por dia; A extrema-pobreza alcança 680 milhões de pessoas (2,15 dólares por dia), sendo que 10% das mulheres vivem nessa condição.
A fixação desses valores para determinar a miserabilidade das pessoas parece estar mais relacionado ao estabelecido custo do trabalho socialmente necessário, ou seja, o que consideram como suficiente para a força de trabalho para garantir sua reprodução física e biológica. Por essa lógica, o salário mínimo já é um valor que coloca as pessoas acima da pobreza. Há outras questões como a incorporação da mulher no mercado de trabalho. Mas, são questões para aprofundar em outros momentos.
E a situação ainda pode ser pior, nenhum organismo internacional (ONU e etc) tem informações consistentes sobre pobreza e sobre fome, são apenas algumas estimativas. Há dados de 1,1 bilhão de pessoas vivendo em pobreza aguda, outros de 1,3 bilhão de pessoas vivem em situação de pobreza, sendo 650 milhões crianças e jovens.
Milhões de pessoas não tem o que comer, enquanto são descartadas toneladas de alimentos
Sobre a fome, em mundo que produz cerca de 4 bilhões de toneladas de alimentos, estima-se que próximo de 733 milhões de pessoas no mundo (10% da população mundial e mais de 150 milhões mais que 2019) estavam em situação de fome em 2023. Regionalmente, na África 20,4% das pessoas estão nessa condição, 8,1% da Ásia (embora metade dos famintos estejam nessa região), 6,2% na América Latina e Caribe e 7,3% na Oceania.
São 2,23 bilhões de pessoas que vivem em insegurança alimentar grave ou moderada e 900 milhões de pessoas enfrentam grave insegurança alimentar. Outros 25% da população mundial consome poucos nutrientes. Os dados sobre a fome no mundo estão bastante dispersos.
Essa contradição entre a quantidade produzida de alimentos e a fome deriva do funcionamento do capitalismo que para manter a lucratividade deliberadamente destrói, segundo dados da UFG, entre 1,2 bi e 2 bilhões de toneladas de alimentos, são, por diversas formas, descartados para manter preço no mercado. De um ponto de vista marxista podemos tratar como irracional, porém, dentro da lógica do capital, são ações racionais (no sentido de pensadas) que, deliberadamente, optam por retirar comida de uma parte importante da população para manter seus negócios estáveis e lucrativos.
Nenhum governo da burguesia vai acabar com a fome, pois para isso deveriam enfrentar os especuladores e o agronegócio. Por isso, as conferências da ONU servem tão somente para marcarem novas datas para os objetivos que novamente não serão cumpridos, como é o caso do objetivo para fome zero, marcada para até 2030, no entanto será prorrogado várias vezes.
Desemprego baixo, trabalho precário
Conforme dados da OIT, de um modo geral, as taxas de desemprego estão relativamente baixas, em 5%. É o menor índice desde 1991. No entanto, há algumas particularidades como os 12,5% de desemprego entre os jovens e alguns países que têm taxas mais altas. Nesse aspecto, também há as diferenças regionais, raciais e de gênero.
Para entender o problema é preciso entender a outra parte, como é constituído o emprego mundial. Esse aspecto é importante, porque é um dos mais sensíveis e reclamados em várias partes do mundo, inclusive é o caminho usado pela extrema-direita para construir seu discurso e também é uma questão que influi nas dificuldades sentidas pelas pessoas, como a moradia, o acesso a bens e etc.
O capital conseguiu formatar um modelo de gestão e gerenciamento do trabalho (toytotismo, tecnologia, plataformas…) e desestruturou o aparato de proteção trabalhista que mudou significativamente a utilização da força de trabalho e jogou o valor da força de trabalho para baixo. São formas de trabalho precário muito parecidas, como a terceirização, intermediação, trabalho temporário, intermitente, sazonal, autônomo, jornada parcial, por aplicativos, entre outras formas que cada país adota. E se trata de uma realidade mundial englobando os países centrais e os periféricos. Como exemplo, as pesadas reformas trabalhistas – ainda que com muita luta – realizadas na França que mudaram as relações de trabalho no país. As concessões econômicas e salarias nos países imperialistas (compensadas com a expropriação realizada sobre os países periféricos) também desapareceram. É o que Mészáros chama de equalização da taxa de exploração entre os países ricos e pobres.
A taxa de trabalho informal, por exemplo, representa cerca de 60% da força de trabalho mundial no ano passado ou 2 bilhões de pessoas. O trabalho formal também não representa melhoras qualitativas, entre outros, pelo fato de muitos direitos não fazerem mais parte dos contratos (estabilidade, temporários, terceirizados…), além da inflação corroendo os salários.
Aqui também podemos apresentar as graves restrições para o acesso aos serviços públicos globalmente. A necessidade por pagar por serviços antes custeados pelos Estados representa uma redução da renda do trabalhador.
Esses são os dados que demonstram como esse sistema, em sua lógica perversa, condena a classe trabalhadora a piores condições de trabalho e de vida, e também, à barbárie. A produção de riqueza atingiu níveis recordes e, do outro lado da moeda, a pobreza e a fome vão na mesma direção.
Inflação e salários: os mais pobres ficam ainda mais pobres e expostos. Ainda sob o aspecto econômico, recolocamos a questão da inflação, porque as consequências são mais pesadas contra a classe trabalhadora, ou dificultando o acesso a bens essenciais e a alimentos ou reduzindo os salários (por diminuição do poder de compra). Os dados do FMI indicam queda da inflação – com altos custos do dinheiro público, pois a burguesia não ataca de fato o problema, mas ainda se mantém acima da média dos últimos anos, especialmente na maioria dos países pobres nos quais a inflação passou dos 5% ao ano.
Os ideólogos burgueses formulam muitas teorias (por conta do consumo, gasto público, taxa de juros, etc.), mas não tratam do essencial: a ação coordenada dos monopólios, manipulando os preços, e assim, mantendo seus lucros às custas do sacrifício da classe trabalhadora. É o que chamam de “inflação da ganância”, com os setores mais monopolizados, controlando o preço sobre os produtos fundamentais para a vida humana, como medicamentos, energia e alimentos, este último é especialmente perverso, porque atinge o básico da vida.
A persistência da inflação está combinada com o aumento dos salários abaixo da inflação, agravando a situação e elevando os custos sociais do aumento dos preços. Segundo a OXFAM, 791 milhões de trabalhadores viram seus salários ficarem abaixo da inflação e, como resultado, perderam uma massa salarial de 1,5 trilhão de dólares nos últimos dois anos, o equivalente a quase um mês, ou seja, 25 dias de salários perdidos por trabalhador. Dinheiro que foi para o caixa das empresas.
Conclusão 1:
A conclusão mais importante dessa parte do documento é que a convergência desses processos não é só o aprofundamento da crise estrutural do capital, mas a sua expressão mais pura na forma de crise societal, alcançando as várias dimensões da vida social. Todos os espaços da vida foram contaminados por essa crise e nos impõe a tarefa de repensar uma alternativa, não apenas no plano da economia, mas também ambiental, da mudança da matriz energética, da reformulação dos padrões de consumo, das questões sociais, ideológicas e humanas.
Na esfera da ação política, essa compreensão requer dos militantes uma compreensão mais completa e abrangente da situação política, mais totalizante e reforçar (não só prática, mas teoricamente) que só a ruptura com o capital pode abrir a possibilidade de reconstrução das relações sociais e colocando o ser humano – e não o capital – no centro desse projeto.
A burguesia vai no máximo administrar essa crise, o seu projeto não consegue e não pode combater nenhum dos sintomas da crise societal, pois a condição desse enfrentamento é a ruptura com lógica do lucro capitalista.
Concretamente, de um modo geral, as condições de vida da classe trabalhadora pioraram em todo o mundo. E esse é o sentimento das pessoas, conforme indicam pesquisas em vários países do mundo. A eleição de Trump, a força eleitoral de Le Pen na França, da Meloni na Itália, da AFD na Alemanha, entre outros, muito se explica por incorporarem essa percepção de piora das condições de vida das pessoas em suas campanhas. E a contradição é que esse setor é exatamente um dos principais responsáveis por essa crise social. É nesse sentido que falamos sobre o crescimento econômico não produzir resultado concreto para o povo. O Brasil é um exemplo disso: governo Lula fica comemorando como conquista um crescimento do PIB de 3%, quando povo não sente a sua vida melhorar.
A importância é também pela própria construção do nosso discurso de enfrentamento da extrema-direita. Se não nos colocamos no campo da crítica social, das condições concretas da vida da classe trabalhadora, vamos continuar perdendo a batalha. Para sermos coerentes com essa conclusão, a nossa intervenção deve subordinar os demais temas (da política, racial, gênero e etc.) à crítica da vida material, de como os trabalhadores vivem, ou seja, as questões relativas ao trabalho é a base para a construção da nossa atividade política e de construção.
Essa piora das condições de vida do povo é uma situação sem reversão, mesmo com o crescimento da economia mundial. Com desigualdades de país para país, os baixos salários, as condições de moradia, a pobreza, tudo isso se manterá e pressionará as burguesias, incapazes de apresentarem alternativas, a buscar saídas “por fora da normalidade” como medidas protecionistas (mais conflitiva com outras burguesias) e buscar incentivo a setores da extrema-direita.
Os conflitos políticos e militares entre setores da burguesia e a onu
O desenvolvimento dos países depende, por essência, da circulação das mercadorias produzidas no mercado mundial, nenhuma economia se sustenta unicamente com o mercado interno. Como todos atuam no mercado mundial, há uma intensa disputa entre os diversos países.
Na normalidade os países imperialistas constroem acordo, fazem uma divisão do mercado mundial e conseguem se impor sobre os demais países. A ONU e a OMC, por exemplo, sempre coordenavam e mediavam esses acordos para essas disputas se manterem sob controle e acomodadas, mas a crise estrutural do capital deu outros significados a elas e, a cada ano, os atritos comerciais foram aumentando e se transformando em disputas territoriais e até militares, como entre China e Japão, Rússia e Ucrânia, entre outros exemplos.
Com a eleição de Trump em 2024, esses conflitos e tensões foram impulsionados e obrigaram movimentos de outros países. Já nas primeiras medidas foram impostas barreiras comerciais com forte aumento das tarifas sobre produtos com origem no México, Canadá e China, ameaças contra a União Europeia, taxação de aço que entram nos Estados Unidos, ações para proteger as empresas estadunidenses. Essas medidas desencadearam articulações entre o imperialismo europeu, medidas de reciprocidade de China, Canadá, etc.
Devemos acompanhar mais de perto esse processo recém iniciado, no entanto, as respostas ao protecionismo dos Estados Unidos tendem a desestabilizar a economia mundial, aumentando o risco de inflação, diminuindo ainda mais o ritmo de crescimento econômico (ou até anular). Há uma tendência também, e de maior gravidade, de outros países aumentarem as restrições contra os Estados Unidos, fomentando uma guerra comercial, disputas nas quais as burguesias nacionais tendem a utilizar mais a máquina e os recursos do Estado para proteção e fiança dos seus grandes capitais.
Destaca-se que o protecionismo não se restringe ao aumento de tarifas, há outros meios como subsídio para baratear os produtos nacionais e facilitar a competição em outros mercados, proibição de importar determinados produtos ou tecnologias, enfim, são várias as ações de proteção do mercado interno. E para sustentar esse processo, inevitavelmente haverá mais ataques aos direitos sociais, aos trabalhadores em geral e também aos pequenos proprietários, pois para colocar esse plano em prática, o Estado vai precisar atuar política e juridicamente, com mais repressão e reforçando o caráter mais autocrático da democracia burguesa contra os direitos dos trabalhadores. Também é possível, a partir desse aspecto, compreender a defesa pela extrema-direita (mesmo com diferenças entre os setores) de medidas protecionistas como parte do discurso nacionalista.
O protecionismo é uma forma mais agressiva de competição e necessita de mais intervenção do Estado em defesa de seus capitalistas. Mesmo essa disputa comercial já existir de maneira mais ou menos silenciosa, nesse momento os Estados Unidos ao adotarem essas medidas como algo importante da sua política econômica, a aplicação desse modelo representa um salto de qualidade em relação ao período anterior e consequentemente, ampliando o risco de se deslocar para a esfera política e militares. Já há fortes indicativos na realidade, como o aumento dos gastos militares para se colocarem em condições de enfrentamento, reorganização da diplomacia, reforços dos alinhamentos (BRICs, União Europeia), entre outras iniciativas que devemos acompanhar.
Esse processo faz com que os interesses dos imperialismos estadunidense e europeu em muitos casos vão se distanciando e as divergências sejam cada vez maiores e públicas, além da tensão comercial ir se transferindo para o espaço político e até militar. No plano político, podemos apontar o crescimento e a rearticulação mundial da extrema-direita, a desacreditação da ONU e dos organismos multilaterais e, no militar, a disputa entre China e Japão, Filipinas e Vietnam, as Coreias, a invasão russa na Ucrânia, a invasão de Israel nos territórios palestino, libanês e sírio e Estados contra Irã, conflitos que deixam o mundo sempre na expectativa de mais uma guerra. Essas mudanças produzem uma reação e obrigam os países a se prepararem para enfrentamento comercial, político e militar (implicando em mais tensionamento).
No caso dos Estados Unidos, por exemplo, a pressão para a Ucrânia aceitar um acordo extremamente desvantajoso no qual perde parte do território e cede riquezas minerais fundamentais é para permitir que se concentre em disputas mais importantes, como contra a China.
Como parte da ampliação dos tensionamentos, os gastos militares aumentam constantemente. Em 2024 chegaram a US$ 2,46 trilhões (aumento pelo nono ano seguido) e vários países (Alemanha, Rússia, Estados Unidos, etc.), além desses gastos, também estão reestruturando suas forças armadas. Os países que compõem a OTAN já gastam em média de 2% do PIB e discutem ampliar para até 3% do PIB esses gastos. Os tensionamentos a partir da questão ucraniana, o discurso de rearmamento independente dos Estados Unidos e a formação de um exército unificado ganha força no continente e tende a acirrar os conflitos e tensionamentos entre os imperialismos.
Há possibilidade dos seus interesses se encontrarem e construírem mediações evitando o agravamento, contudo, mesmo não chegando a conflitos armados, é pouco provável chegarem a um acordo duradouro, pois todos os países têm as mesmas necessidades, e consensos exigiria muitas concessões, porém as margens para isso são pequenas.
Nesse panorama conflitivo, os organismos multilaterais com a função de coordenar as políticas consensuais da burguesia mundial e de mediação dos conflitos são considerados como entraves. A OMC perde importância na regulação das trocas comerciais, as resoluções da ONU são solenemente ignoradas e até desafiadas como foi por Israel, a cúpula do clima não consegue se impor e o próximo encontro no Brasil já está enfraquecido e até mesmo a OTAN recebe críticas públicas dos Estados Unidos.
Se estamos certos, o que está em jogo é a disputa pela hegemonia de um novo padrão de acumulação do capital (como foi o do tratado de Bretton Woods que fixou regras para as relações comerciais e financeiras entre as potências imperialistas) e redivisão do mercado mundial, nas quais, por conta da crise estrutural do capital, não é possível manter a divisão do mercado mundial como está. E, como temos insistido, diante da impossibilidade do consenso, os Estados Unidos partem para a ofensiva para impor, conforme suas necessidades.
No momento de elaboração desse texto aumentou a temperatura entre Estados Unidos e China, ambos sobretaxando as importações. O mais provável é negociarem algum acordo porque os riscos para a economia mundial aumentaram e pode levar a uma recessão global, mas também não voltam a situação anterior.
Essa tensionamento tem uma explicação de fundo que é a desindustrialização dos Estados Unidos que foi aprofundando nas últimas décadas e o processo de transição da hegemonia global, no qual os Estados estão perdendo de país hegemônico, algo com profundas repercussões políticas.
Em relação a desindustrialização, entre 2001 e 2023, a produção industrial dos EUA caiu de 28,4% para 17,4% da produção industrial global, e nesse mesmo período, a proporção da China cresceu e hoje, sozinha, ocupa o primeiro posto com 31,8%, a mesma participação que “Estados Unidos, Japão, Alemanha e Índia juntos”. “Esta é uma situação bem diferente daquela de 2005, quando a China (13,2%) aparecia em 2º lugar no ranking e possuía uma participação 40% menor do que a dos EUA (22,6%), então potência líder”. (IEDI)
A partir do pós-guerra os Estados Unidos se firmaram como a principal potência imperialista (econômica, moeda, militar, financeira, cultural, etc) e árbitro entre as potencias e mediador da divisão internacional do trabalho. Ocorre que, a partir da crise de 2008 (entendida aqui como uma marca do aprofundamento da crise estrutural do capital), o processo começa a ser questionado com ações concretas, como o lançamento dos BRIC’s, as tensões internas na OTAN e maior integração do chamado Sul global nas tratativas internacionais.
O discurso de Trump contra o multilateralismo (amparado por vários setores da extrema-direita mundial) está muito relacionado a essa crise e às medidas para reestabelecer a ordem anterior.
A crise da hegemonia ainda não se estendeu ao poder e domínio estadunidense, ainda exerce forte poder e capacidade de se impor em muitas situações, como a militar.
É pouco provável que esse quadro – da desindustrialização e da crise de hegemonia- se reverte, pelo menos até médio prazo, pois exigiria impor medidas de força capazes de forçarem a submissão e aceitação dos demais, inclusive dos demais países imperialistas.
Uma mudança desse porte também depende da disposição dos donos do capital, se vão colocar seus negócios em risco. Só um exemplo para demonstrar como é algo complexo, há dados indicando que a transferência da produção da Apple para os Estados, além da operação custar bilhões, seria necessário reorganizar a cadeias de suprimento, aumentaria os custos de produção do trabalho (valor de força de trabalho nos Estados Unidos é maior) e triplicaria o preço do iphone para os consumidores internos.
É uma mudança profunda e exigiria aprofundar o caráter destrutivo do processo produtivo (por isso Trump amplia a extração do xisto, sai do Acordo de Paris) e impor maiores níveis de exploração sobre a classe trabalhadora estadunidense para conseguir produtos com condições de disputar o mercado mundial com outros países.
Ou seja, são muitas variantes e consequências que exigiriam uma unidade da burguesia imperialista e, diante de tantas contradições, é pouco provável alcançarem essa unidade.
Conclusão 2
Com base nesses elementos, podemos afirmar que o próximo período deve ser marcado pela instabilidade e polarização das relações nos campos político, econômico e militar entre os países, inclusive entre os imperialistas, abrindo novas possibilidades de intervenção militar, formação de novos blocos (como os BRIC’s), agravadas por ausências de organismos de mediação.
No entanto, apesar dessa instabilidade e da insanidade de alguns setores da burguesia mundial, é pouco provável a generalização desses conflitos militares e envolvimento de muitos países ao mesmo tempo. A questão nem é o desejo da burguesia, pois o capital precisaria impor uma derrota histórica sobre a classe trabalhadora, destruir todo esse capital para recompor a taxa de lucro, algo só possível por uma guerra mundial, mas há o risco de destruição do planeta com a ativação do arsenal atômico. Por isso, as guerras parciais e regionais são insuficientes para uma superação da crise estrutural do capital, em contrapartida conseguem destruir parte do capital sobrante, criam demanda do Estado ao complexo industrial-militar e mantêm o controle sobre fontes de petróleo, gás natural e minérios.
A extrema-direita, um fenômeno de massas e importante da realidade
Como temos sustentado, a crise abre uma disputa pela consciência da classe trabalhadora, da esquerda socialista à extrema-direita, se colocando como alternativa, apresentando explicações e soluções para a crise. O novo nessa disputa é que ela ocorre sob as bases de uma profunda crise estrutural do sistema, período no qual a “gestão democrática da exploração” já não é suficiente para solucionar a crise, é preciso aplicar um plano geral de destruição dos direitos e uma destruição geral de capitais ou, como defendemos, a ruptura radical com o sistema do capital.
Nessa disputa a extrema-direita tem se mostrado mais dinâmica e assumiu uma postura política mais ofensiva no debate político, conseguindo pautar vários temas entre as pessoas. Não é um elemento novo, mas nos últimos anos se massificou, ganhou projeção de massas em países importantes como Brasil, França, Argentina, Israel, Estados Unidos, Chile e mais recentemente Alemanha, inclusive ganhando eleições em alguns países.
É um ascenso mundial e já vem de anos. Na Europa, esse fato é materializado nas eleições na Hungria em 2010 e Viktor Orban segue a frete do governo. Dinamarca em 2015, Áustria em 2016, Finlândia em 2015 e o desempenho do partido de Marine Le Pen nas eleições regionais e europeias em 2015. Ainda na Europa, em 2022, a eleição de Giorgia Meloni, do Partido Fratelli d’Italia, marca o retorno ao poder das ideias identificadas com o fascismo. França, Portugal, Espanha, Alemanha, Inglaterra também tem grupos e partidos com forte inserção eleitoral. Coreia do Sul, Estados Unidos, Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, são outros países com o cenário favorável a discursos totalitaristas e reacionários.
Nesse ano o elemento qualitativo foi a eleição de Trump nos Estados Unidos que logo se transformou em um centro mundial em torno do qual giram vários grupos e partidos da extrema-direita. A partir dessa eleição criou as condições para um realinhamento e centralização em nível mundial com a mesma política e o mesmo método. A partir dessa articulação Trump consegue enfraquecer a Ucrânia e vai impondo um acordo extremamente desvantajoso para a Ucrânia, cedendo riquezas e territórios para a Rússia e para os Estados Unidos. Também explica a retomada da ofensiva de Israel contra os palestinos em
Desde os anos 1980 o imperialismo abandonou a política de golpes militares (ou ficou mais pontual) e apostou na democracia burguesa como mediadora dos conflitos sociais, mesmo em rebeliões de massas (Bolívia, Equador, Chile, etc.) a burguesia não deu a dinâmica para fechar o regime (golpes, intervir nos sindicatos, prisões e torturas sem amparo legal) e a sempre forte repressão mantinha ares de legalidade com o apoio do judiciário. É uma forma de dominação que exige um amplo consenso político entre os partidos da ordem burguesa e os partidos da “esquerda institucional”, centristas, stalinistas e burocratas, todos comprometidos com a continuidade da ordem burguesa contra as soluções “extremas”.
Como esse consenso se mostrou insuficiente diante do tamanho dessa crise, um setor da burguesia (mundial) passou a defender a ruptura com esse modelo e adotar medidas mais duras e repressivas contra o movimento de massas com propostas cada vez mais reacionárias, xenófobas e racistas, colocando a culpa da crise nos imigrantes, negros, homossexuais e conseguindo, inclusive ganhando uma parte importante da classe para essas ideias, prometendo uma solução “nacional”, mobilizam a parte mais despolitizada para apoiar essas políticas.
Esse processo é sustentado pelo aumento da influência do pensamento conservador com maior respaldo e legitimação social, as seitas religiosas crescem entre a classe trabalhadora, surgem grupos fascistas e ultraconservadores nos Estados Unidos e na Europa, apoiam as leis antiaborto, escolas sem partidos, pela “cura” de homossexuais, etc. Ou seja, a extrema-direita tem influência de massas, colocando a disputa em outro patamar.
Mesmo com essa caracterização é importante destacar duas questões:
- Mesmo com o fortalecimento desse setor não é provável o fechamento dos regimes políticos. A extrema-direita entendeu que pode aplicar as suas propostas pela via dos organismos da democracia liberal, pressionando e controlando os parlamentos. As mudanças no interior da democracia burguesa permitiram à extrema-direita impor interpretações da Constituição e de leis para apear do poder governos legitimamente eleitos. As derrubadas de governos por vias institucionais, como foi com Dilma, em Honduras, no Paraguai, Bolívia e Peru (todos impulsionados pela extrema-direita) são resultados dessa nova forma. A democracia burguesa desenvolveu os seus aspectos mais autoritários mesmo nos países de tradição liberal. A melhor expressão dessas mudanças é a disseminação dos aparatos repressivos e várias restrições democráticas. Não podemos descartar que, acumulando mais forças, governos ligados a extrema-direita imponham regimes ditatoriais, mas, nesse momento, não é o mais provável.
- Se fortalecem, mas não encontram um caminho livre, pois há resistências importantes como na Alemanha após o desempenho eleitoral da fascista AfD e Coreia do Sul. As experiências nas ruas vão mostrar para a classe trabalhadora a necessidade e a possibilidade de construir outro caminho. Para nós a resistência à extrema-direita deve partir da mobilização independente da classe trabalhadora, sem nenhuma confiança nas burocracias e burgueses liberais que se limitam a defesa da democracia burguesa. A luta pelas liberdades democráticas não é um fim em si, mas parte da luta pela Revolução. Também devemos acompanhar o desenvolvimento e as condições de cada situação ´para os ajustes táticos, no entanto, sem opor a essa política geral.
- Ainda a aprofundar, nos parece que, observando alguns processos, como tendência a extrema-direita ocupa mais o espaço que pertencia a “direita tradicional”, inclusive com deslocamentos a seu favor de setores da direita tradicional, ou seja, a “direita está mais a direita”. França, Inglaterra Nigel Farage crescendo com o fracasso dos Conservadores, Brasil com uma direita tradicional mais plural, mas muito próxima da extrema-direita, Argentina com Milei substituindo o macrismo, entre outros. Também há tendencias de menor força, como na Alemanha, com a AfD crescendo no rastro da derrota da Socialdemocracia.
Outra questão a ser destacada é sobre as bases do fortalecimento da extrema-direita. Vários setores atribuem essencialmente à política, uma decorrência do fracasso de governos “da esquerda institucional”. Opinamos não ser possível explica-la a partir da política. A realidade não pode ser explicada a partir da superestrutura, pois se entendida dessa forma a teremos só parcialmente. A explicação última, o elemento determinante, está nas condições econômicas e sociais a que os trabalhadores estão submetidos na atualidade. É sobre os rumos para sair dessa crise econômica e social que está localizada a expressão da extrema-direita na realidade.
Por fim, mas não menos importante, a nossa política tem como base a mobilização popular, a disputa para ganhar a classe trabalhadora para essa luta. A experiência histórica mostra que ditaduras não resistem às mobilizações populares. Também defendemos as liberdades democráticas (direito de greve e de se manifestar, legalização dos partidos anticapitalistas, etc.), mas sem defender a democracia burguesa, uma forma de dominação sobre a classe trabalhadora (uma classe que vive da exploração do trabalho alheio sempre vai se apoiar no aparato repressivo).
A questão ambiental
Não é possível entender a situação política mundial sem passar pela questão ambiental, pois é um fenômeno tão profundo que, se não detido, coloca a humanidade em risco e por isso já demarca a importância dos revolucionários entrarem nesse debate numa perspectiva dos acúmulos que o marxismo já tem sobre esse tema. Só agora os governos e seus ministérios do meio ambiente, a mídia burguesa, os departamentos ambientais nas empresas e ONG’s estão alarmados com os efeitos das alterações ambientais, mas não conseguem apontar caminhos e ficam apenas na organização de fóruns, estabelecendo metas e outras retóricas.
A questão ecológica sempre foi parte da crítica marxista ao sistema capitalista por entender que a destruição ambiental é parte inerente ao processo produtivo, ou seja, as atuais manifestações da natureza (calor em excesso, chuva, derretimento das geleiras, etc.) são manifestações decorrentes da forma de produzir capitalista. Os ideólogos capitalistas negam esse fato e, incapacitados de uma solução, produzem teses e mais teses negacionistas, enquanto o planeta segue em direção à destruição.
Contudo, para além da crítica histórica do marxismo, entendemos que a crise estrutural do capital coloca a questão ambiental em outro patamar, porque a “auto-reprodução destrutiva do capital” é cada vez mais evidente e mais presente, representando uma ameaça real para a existência da humanidade com o processo que – se não detido – levará ao colapso ambiental (entendido como um ponto de encontro de várias crises ambientais), ou seja, algo mais grave que o conceito de crise ambiental amplamente utilizado por vários setores, inclusive da esquerda.
Esse elemento, junto aos interesses financeiros da indústria armamentista nas guerras regionais/locais, é a expressão da etapa mais desenvolvida do caráter destrutivo da (re)produção capitalista.
Qualquer investigação científica vai comprovar e demonstrar concretamente como as grandes corporações nacionais e transnacionais são as maiores responsáveis pela destruição planetária com suas produções descontroladas de automóveis, extração de petróleo, desmatamento, expulsão dos povos originários e guardiões dos territórios naturais, extração de minérios (legal e ilegalmente) e um longo etecetera.
Colocamos essas questões, primeiro para reafirmar a necessidade do combate político e ideológico aos movimentos ambientais reformistas ou restauracionistas defensores da possibilidade de ajustes no sistema como forma de recuperar a natureza; segundo para demonstrar a incompatibilidade entre defesa da natureza e existência do capitalismo.
Em resposta à condição climática, há um importante movimento em defesa do meio ambiente e de exigência de medidas para enfrentar essa questão. É um movimento ainda sem uma consciência totalizante do problema e da necessidade de também lutar contra o capitalismo, como uma condição para a vitória dos movimentos ecológicos. Nesse sentido, a nossa batalha é apresentar o problema de forma global (como causado pelo capitalismo), ajudar a organizar os processos de luta pela base e batalhar para o desenvolvimento de uma consciência ambiental anticapitalista que se convença sobre a sobrevivência da humanidade depender da Revolução Socialista e mesmo assim, pelo grau de destruição, será necessário um grande esforço da humanidade para reverter esse processo, estabelecendo novas formas racionais de produção e consumo. Só uma sociedade em que os produtores decidem o que, como e para que e para quem produzir poderá estabelecer uma nova relação entre o ser humano e a natureza.
O movimento ambiental é bastante amplo e heterogêneo, mas predomina ainda a ideia de que basta ajustes no sistema, apertar a legislação e aumentando a regulação de alguns setores, separar o lixo reciclável, plantar árvore que resolveremos os desarranjos da natureza. Ainda que tudo isso precise ser feito, está longe de ser a solução. São muitos os dados da ciência indicando que a vida no planeta está perto de ser insustentável, ou seja, se não vamos à raiz do problema (e aqui está a radicalidade) não há como recuperar o planeta. A raiz do problema é a forma de produção capitalista.
A racionalidade (a destruição ambiental é parte da racionalidade burguesa) e a insanidade da burguesia sobre os problemas ambientais também se revelam nos seus ataques aos lutadores. Não basta destruir o planeta, mas é preciso também assassinar quem luta. A burguesia – principalmente a agrária – arma e organiza milícias para atacar ambientalistas, invadir terras indígenas, extrair minérios com os métodos mais poluentes. Só no Brasil, entre 2012 e 2023, foram registradas 461 mortes de ambientalistas, 22% do total de mortes no mundo. Em 2023, no mundo foram 196 mortes e no Brasil, 34 mortes. Defender a vida no planeta está cada vez mais perigoso.
Por isso, defendemos um movimento ecológico anticapitalista radical, apoiando-se nos métodos de luta da classe trabalhadora.
Um programa anticapitalista passa por:
– Estabelecimento de metas de redução da poluição do ar, da água e do solo, de reciclagem do lixo, de produção orgânica e ambientalmente sustentável, com expropriações a todas as empresas que as descumprirem;
– O uso racional dos recursos naturais, isto é, de acordo com as necessidades humanas, como no caso do petróleo e da água;
– O uso de sementes transgênicas, combate a pragas, pecuária e outras formas que ajudem na produção de alimentos seja decidido por quem trabalha e cuida da terra. Defendemos uma agricultura coletiva, orgânica e ecológica a serviço das necessidades dos trabalhadores;
– Pelo direito a soberania alimentar de todos os povos, pelo direito às sementes, à terra e às fontes de água potável. Contra a privatização das sementes, fontes de água, florestas e recursos naturais;
– Em defesa da biodiversidade, contra a destruição das florestas, dos manguezais, dos corais, zonas pesqueiras, e outros ecossistemas ameaçados;
– Uso estritamente necessário de combustíveis fósseis, incentivo às fontes alternativas de energia;
– Prioridade para o transporte coletivo em ônibus, metrôs e trens, em lugar das obras viárias voltadas para o transporte individual (e lucro das multinacionais de automóveis);
– Quebra das patentes de medicamentos que tratam as doenças que afetam a maioria da população e distribuição gratuita, liberação das pesquisas com células-tronco, contra as patentes de sequências de DNA humano ou de outras espécies;
– Por uma ciência livre e acessível e de direito a todos, pela livre difusão do conhecimento científico, contra os preconceitos de ordem moral e religiosa que servem de entraves nas ciências.
A crise da alternativa socialista e os desafios da esquerda socialista revolucionária
Crises econômicas não produzem automaticamente rebeliões e revoluções. Na maior parte da história as classes dominantes se articularam e avançaram para algum tipo de solução, como foram as duas guerras mundiais, destruindo uma imensa quantidade de mercadorias (incluindo a força de trabalho) e recomeçando novos ciclos de acumulação.
Para crises econômicas se transformarem em revoluções é fundamental a ação da classe trabalhadora, ou seja, uma unidade (mesmo com contradições) das condições objetivas (a crise) e subjetividade (a consciência, a vontade do agir), a fim de resistir e lutar.
Essa questão é muito importante, porque prevalece na esquerda de um modo geral uma visão objetivista (bastando a existência de crise e algumas lutas para ter situações revolucionárias e até mesmo revoluções), a qual desconsidera a importância da subjetividade. Há outras formas de secundarizar a importância da subjetividade, como aquela “que não estão dadas as condições objetivas”, uma visão mecanicista de que o desenvolvimento da consciência só pode ocorrer em momentos de profunda crise econômica. Enfim, queremos chamar a atenção para a necessidade de entendermos a realidade como uma combinação dialética (por isso cheia de contradições) de elementos objetivos e subjetivos.
Do mesmo modo, parece bem problemático a tese da subjetividade se resumir à existência do partido revolucionário, pois há um movimento de massas capaz de sustentar uma luta revolucionária, concebida com efeitos práticos problemáticos, porque resume várias tarefas de desenvolvimento da consciência na construção do partido. Para nós, a construção do partido/organização revolucionária (ou mais) é parte de um processo muito maior: construir um movimento de massas, uma consciência anticapitalista irradiada na base da classe trabalhadora, empurrando-a para assumir a condição de sujeito político do processo revolucionário.
Essas considerações nos ajudam a compreender o porquê, apesar da crise estrutural do capital, não chegamos a uma situação revolucionária. A questão fundamental e que, de certa forma, um dos importantes determinantes da realidade mundial é a contradição entre os elementos objetivos e subjetivos, materializada na crise de alternativa, a qual não se limita a ausência do partido revolucionário, porém é mais profunda e abrange outros elementos da subjetividade. No contexto de uma situação política mundial defensiva com traços reacionários, essa contradição agrava a crise e coloca tarefas ainda maiores e mais difíceis para os revolucionários e para a classe trabalhadora.
Em relação aos revolucionários, implica na batalha para a construção de uma consciência de classe tanto no seu nível em si como no para si, ou seja, das lutas econômicas e imediatas avançando para a luta contra o sistema. Essa batalha também é no interior da esquerda socialista, pois parece que os partidos e organizações seguem presas a concepções que respondiam – também parcialmente – ao período anterior da luta de classes.
Parte importante da classe trabalhadora está refém das ideias da burguesia, iludida com o discurso de empreendedorismo, de ódio aos imigrantes e apoiando a extrema-direita. Outra parte não se sente fortalecida para enfrentar essa ofensiva, os sindicatos se desgastaram e perderam legitimidade (com algumas exceções) e a classe operária (que continua como a vanguarda, mas não cumpre essa função) está ausente das lutas.
Há também os setores que lutam e resistem como podem. Entre as mais recentes apontamos, as greves operárias nos Estados Unidos, a luta das mulheres pelos direitos de gênero, a luta dos imigrantes na Europa e nos Estados Unidos, as gigantescas manifestações em várias partes do mundo contra o massacre do sionismo e do Estado de Israel contra os povos palestino, libanês e sírio, as rebeliões nos países africanos. Esses são alguns exemplos de luta, mas elas acontecem no contexto de defesa de direitos e de resistência e demonstram que a caracterização de uma situação reacionária não é sinônimo de ausência de lutas. Todas as ditaduras militares ou regimes civis ditatoriais enfrentaram algum tipo de resistência e luta que foram acumulando forças até derrotarem esses regimes.
Trata-se, portanto, depois de identificar e reconhecer essas lutas, é preciso caracterizá-las corretamente, sob pena de termos uma leitura da realidade que cabe apenas em nossas mentes.
O que buscamos afirmar é que essas lutas – importantíssimas – carregam limites, estão nos marcos da resistência e nos marcos de uma consciência reivindicativa, cabendo aos revolucionários participarem delas, incentivarem e darem a batalha para avançarem. No entanto, não somos só nós quem fazemos essa disputa. A burguesia, em todos as suas formas como reformismo, esquerda eleitoreira, direita, extrema-direita, também se coloca em movimento para disputar essas mesmas consciências sobre o caminho a seguir diante da crise. É uma disputa mais dura, mais difícil e exige muito mais dos revolucionários e é para essa realidade que precisamos nos preparar, quando fizermos essas avaliações sobre a correlação de forças.
Como perspectiva para o futuro, essas lutas tendem a potencializar rupturas revolucionárias de caráter anticapitalista. De certa forma, já há em curso uma experiência de massas, ainda que pela negativa, com as diversas direções burguesas, reformistas e nacionalistas-burguesas demonstrando a incapacidade de serem alternativas para os trabalhadores. E esse processo abre espaço para a disputa pela consciência de classe e socialista da classe trabalhadora, a fim de ganhá-la para um projeto de ruptura com o capitalismo. No entanto, esse elemento da realidade desenvolve-se muito lentamente.
As guerras locais como fonte de lucro para a indústria de armas
Outra característica destrutiva é a produção armamentista, ou o complexo-industrial-militar, como diz Mészaros. Só destacando que “produção destrutiva” é um meio desenvolvido pelo capital como forma de superar as contradições que a superprodução coloca no sistema e sistema produtivo, de modo que ele precisa dissipar essa produção (taxa de uso decrescente, sucateamento do aparato produtivo, obsolescência programada das mercadorias). Esse conceito está muito relacionado ao problema ambiental discutido em outro ponto do texto, porém onde melhor se concretiza é na atuação do complexo militar-industrial, ramo industrial de alta tecnologia e que organiza a dinâmica do processo (re)produtivo do capital da qual é a forma radical de dissipar em larga escala os “bens perfeitamente usáveis”, assim como parte do próprio capital sobrante. A facilidade de agir como dissipador da produção é porque não está sujeito às flutuações do mercado e muito menos às necessidades humanas.
Quando os Estados colocam em funcionamento o aparato armamentista, consumo e destruição se equivalem e a realização da mais-valia (do lucro) ocorre na própria destruição de imensas quantidades de capitais (e vida humana), criando condições para o capital continuar seu processo de valorização e expansão. Todavia, também há limites para uso, ou seja, as 13.890 ogivas nucleares existentes pelo mundo (3.750 estão ativas) não podem ser usadas de forma indiscriminada.
Entender essa lógica é importante para compreender os conflitos militares no mundo, fugir de explicações simplistas da origem das guerras, invasões militares (e da destruição ambiental), como a “maldade dos governantes”, quando elas são parte da racionalidade do processo de expansão do capital.
Feito essas considerações, alguns dados servem para demonstrar a atualidade desse conceito e como o poder econômico e político desse ramo capitalista implicam em consequências na realidade.
Os Estados Unidos são os maiores produtores de armas (o que explica sua presença nos conflitos militares e invasões) com as 5 maiores empresas do ramo. Essas empresas dependem do Estado e dos orçamentos públicos pelo mundo. O valor global gasto anualmente é equivalente a 2.3% do PIB mundial ou US$ 306 por pessoa. Só os Estados Unidos gastaram 1,1 trilhão de dólares. Esse mesmo país domina a fatia de 42% das exportações de armas, bem à frente da França e da Rússia com 11% cada uma e da China com 5,8%, além disso forneceram equipamentos militares a 107 países até o ano de 2023. A receita total dos 100 maiores produtores de armas do mundo somou 632 bilhões de dólares (R$ 3,8 trilhões). Parte dessas armas estiveram sobre a cabeça dos povos palestino, libanês e ucraniano.
A função social dessas mercadorias no mercado mundial também explica o porquê dessa fração ser a mais reacionária e altamente concentrada em poucas corporações globais e suas relações com as guerras e ocupações, fonte de seus lucros.
Reforçamos a nossa caracterização de ser pouco provável a ocorrência de uma nova guerra mundial pela possibilidade de destruição do planeta, que nesse momento, a burguesia não se mostra disposta a fazer. O limite são as guerras locais, deslocando um arsenal “de menor potencial” e dissipação de uma menor quantidade de capital.
Esse contexto também ajuda a entender as ações do Estado israelense e do sionismo defenderem uma ocupação do território de Gaza (e o genocídio do povo israelense), ampliando o controle sobre novas terras e fontes de água, dos interesses envolvendo a ocupação da Ucrânia e as várias ações militares e treinamento militares – China ameaçando Taiwan, exercícios das frotas estadunidenses no continente americano e da OTAN na Europa.
O plano de Israel e dos Estados Unidos contra o povo palestino
Com a posse de Trump, os setores mais reacionários do imperialismo e do sionismo conseguiram coragem para defender abertamente uma política de ocupação de todo o território palestino, o genocídio e a expulsão definitiva do povo palestino de suas terras.
A interrupção (que caracterizamos como frágil) dos bombardeios foi uma vitória parcial e momentânea da resistência, as cenas de filas quilométricas de palestinos marchando em direção às suas casas é símbolo de resistência. No entanto, esse acordo não está impedindo as forças militares israelenses de atuarem. Paralelo a esse acordo, Israel amplia a ocupação sobre a Cisjordânia e força o deslocamento de milhares de pessoas, bombardeando campos de refugiados, sob o silêncio e conivência dos governos, e incapacidade e fragilidade da ONU.
Gaza foi transformada em escombros, os ataques militares debilitaram muito a infraestrutura da de Gaza. São dezenas de milhares de mortos, outras tantas centenas de milhares desalojados e, ao que tudo indica, Israel seguirá com seus planos de expansão do controle militar sobre o território palestino. Além da tarefa histórica de fim do Estado de Israel e defesa do território histórico da palestina, há a participação, das formas possíveis, na reconstrução de Gaza e total retirada das tropas israelenses da Cisjordânia e outras cidades palestinas. Essas bandeiras políticas também servem para os territórios libanês e sírio, nos quais Israel segue atuando e bombardeando, inclusive na Síria com a ampliação da ocupação territorial.
O projeto israelense é sustentado pelos grupos mais reacionários do sionismo, inclusive com setores fascistas e contam com uma ampla rede mundial de apoio financeiro para esse projeto. Foram os partidos da extrema-direita que se colocaram contra esse último acordo e defendiam a ampliação das ações militares até a eliminação dos palestinos. Assim, é importante fazermos a relação do fortalecimento da extrema-direita mundial com esses acontecimentos na região, aproveitam-se desse ambiente favorável para levarem adiante seu projeto. A luta contra Israel é também uma luta anti-imperialista, porque esse Estado é uma extensão do imperialismo estadunidense na região.
Outra ideia a ser combatida é que Israel, Netanyahou e os comandantes militares podem ser detidos pelos organismos internacionais, como a ONU. Esse caminho já se provou infrutífero a ponto do secretário geral da ONU ser massacrado publicamente por Netanyahou e Israel atacar bases da ONU na região. Nem nota de repúdio e nem resoluções da ONU vão parar Israel. Só uma permanente mobilização, bloqueio de portos e navios que enviam munição a Israel deterá essa máquina de guerra. É preciso uma ampla mobilização mundial, uma revolta global contra Israel.
Algumas considerações:
– A nossa luta é em defesa do povo palestino e contra o Estado de Israel. Fim do Estado de Israel e a criação de um Estado palestino, multiétnico, democrático e laico;
– A luta contra o sionismo não é contra o semitismo, pelo contrário. Por isso combatemos o argumento vil do sionismo de que combater Israel é antissemitismo. Toda nossa solidariedade aos perseguidos pelo sionismo;
– Também denunciamos os Estados Unidos, demais países imperialistas e outros governos (como Milei na Argentina) que fomentam esse massacre, financiando e armando Israel que se calam diante desse genocídio;
– Sem concordar com sua política, nos colocamos ao lado da resistência palestina e libanesa, nos colocamos ao lado dos povos iraniano, palestino e Libanês e no plano militar devemos ter um posicionamento, de trabalhar para que as forças imperialistas sejam derrotadas, ou seja, apoiamos militarmente – sem concordar com elas politicamente e ideologicamente – os Estados que foram atacados, no caso Israel, Palestina e Líbano;
– Como parte da resistência, fazemos um chamado a esquerda revolucionária para a realização de uma ampla campanha pela reconstrução de Gaza com envio de recursos materiais e financeiros para os palestinos reconstruírem suas casas e seu sistema de saúde.
Sobre a invasão russa ao território ucraniano
Com a eleição de Trump e o realinhamento da extrema-direita mundial a invasão russa na Ucrânia ganha outra conotação. Já nas primeiras ações o novo governo começou a negociar com o governo russo o fim da ocupação, sem as presenças da Ucrânia e do imperialismo europeu e atendendo a vários pleitos de Putin, como manter sob domínio russo parte do território ucraniano, a Ucrânia não aderir a OTAN e os Estados Unidos terem sob seu controle as chamadas terras raras e o direito de exploração dos minérios dessas áreas.
Sobre a caracterização do campo político continuamos caracterizando Putin e Zelensky como governos reacionários e alinhados a setores reacionários e da extrema-direita mundial.
A saída para esse conflito passa pela mobilização da classe trabalhadora ucraniana em aliança com seus irmãos russos, lutando ao mesmo tempo contra Putin e contra Zelensky.
Reafirmamos as nossas resoluções anteriores se colocando contra a invasão russa na Ucrânia e o direito do povo ucraniano resistir e derrotar o exército invasor, mas também não apoiamos Zelensky e seu governo de extrema-direita. A saída passa pela ação independente da classe trabalhadora ucraniana.
Nossa posição:
– Pela autodeterminação do povo ucraniano!
-Fora Rússia da Ucrânia;
-Abaixo a agressão de Putin;
-Fora OTAN da Ucrânia! Não à incorporação de terras ucranianas pela Otan!
– Abaixo o saque das riquezas, abaixo a apropriação do território por qualquer potência estrangeira! Que todas riquezas minerais do território sob controle da classe trabalhadora ucraniana
-Só a classe trabalhadora ucraniana com independência organizativa e ideológica pode garantir a soberania nacional da Ucrânia e liderar a resistência aos russos!
-Putin e Zelensky são governos reacionários e não merecem nenhuma confiança!
Unidade das classes trabalhadoras russa e ucraniana contra seus governos!
Os monopólios das bigtechs e o poder
O monopólio e o oligopólio são formas características do capitalismo moderno espalharem-se por todos os ramos da economia e da vida social. Grandes empresas concentram a riqueza, controlam o que comemos, os medicamentos a que temos acesso, o que assistimos, o que consumimos e, o pior, fazem parecer que as nossas escolhas são livres.
Entretanto, as bigtechs representam uma mudança qualitativa nesse processo, pois, além de controlarem imensa quantidade de riqueza, atuam e influenciam na formação do pensar da classe trabalhadora, acessando as pessoas no mundo inteiro com suas ideias, a partir dos controles exercidos pelos algoritmos. Parecem democráticas (qualquer um pode gravar vídeos, enviar mensagens, acessar informações) e bem sucedidas as formas de emprego, influencers, por exemplo, mas ao mesmo tempo têm capacidade para rastrear dados e informações pessoais, de governos e organizações e alimentam os serviços secretos dos países imperialistas com todo tipo de informações. Essas tecnologias interferem em processos eleitorais (há vários estudos sobre as ações) e controlam informações, reforçando o poder econômico dos partidos burgueses nos processos eleitorais. Na Educação Pública, por exemplo, os órgãos públicos utilizam inúmeros programas e aplicativos dessas empresas, abrindo a possibilidade de coleta de dados de milhões de jovens, sobre como agem e como pensam.
Combinado com essas questões ideológicas, ainda há o poder econômico em que as principais empresas do setor (Microsoft, Google, X, Amazon, Ali Baba, Meta e Apple) têm um valor de mercado de mais de US$ 10 trilhões, muito maior que o PIB de toda América Latina. Não é por acaso as dificuldades que os Estados têm para exercer algum controle sobre essas empresas, pois muitos legisladores são financiados por estas.
Se no Brasil é um exemplo de embate entre Erlon Musk e o STF – que deve ocorrer com mais frequência – nos Estados Unidos, há uma unidade entre Trump e essas empresas dando mais suporte às ideias da extrema-direita (em nome de liberdade de expressão, há espaço para nazistas, racistas, etc., enquanto as publicações da esquerda são sutilmente censuradas), inclusive permitindo Ellon Musk acessar informações do Estado.
Se estamos caracterizando como um Estado paralelo, esse poder político precisa ser enfrentado e derrotado. Nesse sentido, consideramos progressivo que órgãos estatais enfrentem e regulem essas empresas, sob risco de, sem ter um voto do povo, controlar o Estado e as instituições.
É uma luta ideológica, porém deve ser articulada com a luta pelo controle sobre essas tecnologias pela classe trabalhadora.
Com limites, a classe trabalhadora não deixa de lutar
As situações políticas defensivas com traços reacionários têm como características a burguesia conseguir impor seus projetos e o movimento dos trabalhadores ainda não ter força para enfrentar esses ataques, todavia há lutas que vão acumulando forças para mudar a situação política.
Nessa parte da avaliação de correlação de forças o desafio é nem superestimar e nem subestimar a força da classe trabalhadora, ou seja, o desafio é compreender a realidade tal qual, suas virtudes e seus limites. Essa questão metodológica é importante porque de um modo geral a esquerda superestima as lutas e, por isso, e perde até mesmo no que propor. O inverso também é complicado porque leva a perder oportunidades de avançar a luta e de construir o movimento.
Nos últimos meses, presenciamos várias e importantes lutas de setores da classe operária nos Estados Unidos como portuários, metalúrgicos, do sistema postal, da Boeing, ferroviários, roteiristas de Hollywood, trabalhadores da Amazon, entre outras. É a maior onda de greves desde os anos 1970, contribuindo para o surgimento de uma nova vanguarda e ativismo. Na Europa, houve mais greves e mobilizações na Áustria, Alemanha, França, Holanda e Itália.
Abaixo resumimos alguns conflitos que, se desenvolvem politicamente, tem potencial para uma nova conjuntura política na qual a classe trabalhadora.
Na Grécia em fevereiro desse ano ocorreu a maior greve gera desde a queda da ditadura, com dezenas de milhares nas ruas e o país parando. A data escolhida foi o 2º aniversário de um acidente ferroviário que matou dezenas de pessoas e foi consequência da precarização dos serviços públicos. Agora em abril nova geral com forte presença nas ruas, paralisando serviços, comércio e indústria. O país passa por vários problemas sociais e econômicos, ainda como efeito dos ajustes impostos pela Troika (Comissão Europeia, o FMI e o Banco Central Europeu) em 2015 quando, para receber empréstimos dos bancos internacionais, tiveram que aceitar pesados ajustes como privatizações, cortes de verbas nos serviços públicos, entre outros pesados ajustes econômicos.
Na Coreia do Sul a tentativa de um golpe de Estado por parte de Yoon Suk Yeol – de direita- inflamou estudantes, populares e setores da classe operária sobretudo metalúrgica, numa reação rápida e forte centenas de milhares foram às ruas e derrubaram o golpe e a lei marcial.
Todo esse processo culminou no impeachment (confirmado recentemente pela Suprema Corte do país) e os golpistas enfrentarão os lentos processos judiciais. Foi uma vitória importante, no entanto, a estrutura golpista não foi derrotada. Mas também é importante sublinhar a pronta reação do movimento popular e operário, um dos mais importantes da Ásia.
Na Turquia, após a prisão do prefeito de Istambul e candidato da oposição à presidência, explodiram fortes mobilizações em várias cidades do país. A resposta do reacionário governo Erdogan, foi forte repressão com milhares de prisões, isolamento de cidades e controle de circulação.
A perda de popularidade de Ordogan encoraja as pessoas a saírem nas ruas, mas a causa principal dessas mobilizações é a crise econômica que se arrasta há alguns anos, com aumento dos impostos, limitação do salário mínimo e outros ajustes que atingiram a classe trabalhadora e sua base de apoio. A juventude é a principal força, mas há também setores da classe trabalhadora, como o têxtil Educação.
Aqui também temos contradições, como o fato desses protestos terem uma forte participação de grupos e partidos fascistas. A ausência das organizações curdas nos protestos é outro elemento importante.
As recentes e massivas manifestações na Sérvia demonstram como um fato aparentemente corriqueiro (e aconteceram outros na história) pode levar a explosão popular contra os governos. A morte de 15 pessoas esmagadas pelo concreto do desmoronamento de dossel numa estação ferroviária em novembro foi o estopim para as maiores manifestações do país. Desde então as manifestações seguem e em 15 de março foram 325 mil pessoas em Belgrado (mais de 5% da população do país em um único ato), a maior da história do país. O alvo agora é a queda do presidente Aleksandar Vucic.
A juventude estudantil (universitária e secundarista) tem sido a protagonista desses protestos, sem participação efetiva dos sindicatos e da classe trabalhadora organizada.
Também tivemos a revolta popular em Bangladesh, começando contra uma lei favorecendo os militares no acesso ao serviço público e se estendeu para uma luta contra a primeira ministra Hasina que foi obrigada a deixar o país. São 171 milhões de habitantes e um proletariado importante na indústria têxtil forte que produz para várias marcas de roupas famosas.
Mais recentemente foram os Estados Unidos que protagonizaram grandes manifestações, desta vez contra Trump e suas medidas. Esse novo governo trouxe muitas contradições até mesmo para um setor da burguesia estadunidense e muitas tendências ainda estão em aberto, de modo que precisaremos acompanhar esse processo mais de perto, entende-lo melhor porque os acontecimentos nesse país é importante elemento na situação política mundial.
Chamado de “Hands off” (tire as mãos), esses protestos foram uma resposta rápida e importante a Trump, no qual houve importante participação de vários movimentos sociais, como o movimento LGBTQ+, de mulheres, movimento negro, parte do movimento sindical, movimento em defesa da Palestina e de apoio aos imigrantes.
Na América Latina, a Argentina, por causa dos pesados ataques de Milei, é o país com maior número de greves e mobilizações. No momento que estamos terminando a redação desse texto, a classe trabalhadora argentina mais uma vez saia a luta, na terceira greve geral contra Milei. Antes foram os aposentados saindo aos milhares às ruas e fortemente reprimidos, situação que causou uma comoção no país e aumento o ódio contra o governo e suas medidas que condenam milhões à pobreza e a fome.
Depois das rebeliões populares de Equador e Colômbia, houve um certo acomodamento desses movimentos sociais, com a “esquerda institucional” deslocando essas lutas para a disputa parlamentar. O espaço de maior disputa nessa região é de fato a disputa eleitoral, normalmente com partidos da extrema-direita contra a esquerda institucional. Entretanto, diante de tantas contradições sociais e pela tradição de luta e rebeliões populares, as possibilidades de mobilizações estão sempre presentes.
É uma região que não acompanhamos muito, mas em vários países africanos houve explosões populares bastante radicalizadas, como no Quênia com o chamado “7 dias de fúria” contra o aumento de impostos; na Nigéria, país mais populoso da África com dez dias seguidos de manifestações e greve geral; e Angola e Moçambique com massivas manifestações populares.
Esses processos de luta têm em comum a resistência aos diversos planos de ajustes que os governos vão aplicando, a crise inflacionária (e o custo de vida), desemprego alto, precarização do trabalho e serviços públicos cada vez mais raros e precários por conta do comprometimento do orçamento com as dívidas públicas. Essas causas não só tendem a continuarem, como devem aprofundar, abrindo possibilidades de novas lutas e mobilizações.
São lutas importantes diante dos brutais ataques do capital, uma resposta às condições de vida e mostram que a classe trabalhadora pode recuperar sua força e impor conquistas, no entanto, reconhecemos, essas lutas têm limites e ainda não conseguem reverter a correlação de forças. Também se deparam com a ausência de organizações de base, direções combativas e uma consciência de classe. As vitórias são parciais, mas na maioria desses conflitos, os governos conseguiram impor seus planos.
Também é necessário e urgente a luta pelo desenvolvimento de uma consciência socialista e superação da crise de alternativas que possam dar respostas não só às questões econômicas, mas também à ambiental, liberdades democráticas e etc.
As mobilizações que citamos acima, no geral, tem como elemento comum a juventude e setores populares como os protagonistas, muitas vezes radicalizados, no entanto, sem reinvindicações econômicas concretas. Com raras exceções, a ausência do proletariado enquanto força política e atuante nesses processos de luta, setor da classe trabalhadora fundamental para fazer a balança pender para o nosso lado. A incorporação da classe operária nas lutas seria importante para atrair os setores pauperizados, moradores das periferias do mundo, pobres e miseráveis para a luta, sob a direção da classe operária. Disputa fundamental, porque também identificamos que grupos fascistas e da extrema-direita tentam atraí-los para suas posições. No caso dos países centrais da Europa e dos Estados Unidos, o discurso de que são os imigrantes que tiraram os empregos e são responsáveis pela diminuição do poder de compra encontra muito eco em partes importantes do proletariado desses países.
É neste contexto que as principais lutas dos últimos anos tinham vários “atores sociais” (classe média, juventude, pequena burguesia, setores que não necessariamente se identificam como classe social) e, portanto, as caracterizamos como populares (em alguns casos, revoltas populares como foram no Chile, Equador, contra a reforma da previdência na França e mais recentemente em Bangladesh), no sentido de não ter uma definição precisa de classe social.
Da ausência da classe operária deriva um problema crucial: a ausência de projeto socialista na consciência da classe trabalhadora. Sem a presença e direção da classe operária não é possível o movimento desenvolver uma consciência socialista de massas, pela razão de ser essa a classe a cumprir uma função social que as demais não podem cumprir.
A necessidade de uma organização internacional dos trabalhadores
Como não se pode pensar o capitalismo nos limites do Estado Nacional também não se pode pensar a classe trabalhadora nos limites das fronteiras nacionais. Assim, como a burguesia tem interesses universais, a classe trabalhadora também tem. Um trabalhador francês é também explorado como um brasileiro, ambos produzem a riqueza que é apropriada pelos burgueses e esta condição os une, os torna membros de uma mesma classe social. Os trabalhadores das empresas transnacionais (presentes em várias partes do mundo) também é uma só, ainda que a patronal tente diferencia-los, e tem os mesmos interesses. Por isso que, se desde o surgimento do capitalismo, o internacionalismo já era necessário, atualmente isso é ainda mais importante.
Essa mesma necessidade também serve para as organizações políticas revolucionárias, pois a batalha ideológica e a luta anticapitalista são fundamentais e devem ocorrer de forma articulada e em todo o mundo. Com esse grau de internacionalização da economia, a intervenção dos revolucionários é cada vez sobre temas globais.
O problema é que, exatamente no momento mais necessário, existem uma infinidade de “Internacionais”, a maioria de orientação trotskista (com diversas correntes) e ainda em um processo de constantes rupturas, crises e fragmentação.
A maioria ainda se articula em torno de um “centralismo democrático” de conteúdo verticalista/burocrático e com imposição de uma linha política elaborada a partir da direção internacional, desconsiderando muitas vezes as especificidades nacionais, e assim causando vários rachas. Ou seja, predomina assim uma dispersão generalizada, sustentadas por posições políticas/teóricas que a luta de classes nem negou e nem confirmou.
Outras agrupações são as conferências e encontros mundiais de partidos de origem e tradição stalinista, mas sem resultarem na constituição orgânica de internacionais, dos quais partidos do Brasil, como PCB, PCBR e UP participam.
Também é preciso reconhecer as dificuldades da realidade objetiva (perda de direitos, a ofensiva da extrema-direita, etc.) e as subjetivas, como as dificuldades do surgimento de uma vanguarda com força para impulsionar processos de reconstrução da subjetividade da classe trabalhadora.
No entanto, essas dificuldades não excluem a necessidade urgente de “Formação de uma Organização Internacional dos Trabalhadores, estruturando-se a partir das lutas concretas do proletariado em cada país e armada de um programa de ruptura do capitalismo e de construção da revolução socialista mundial, na luta por um poder socialista dos trabalhadores e por uma sociedade socialista internacional.
Lutamos por uma Frente Internacional de organizações anticapitalistas
Como argumentamos no decorrer do texto, um dos principais desafios nessa etapa da luta de classe é superar a contradição entre os elementos objetivos e subjetivos, dando a batalha para a recomposição da subjetividade da classe trabalhadora, como condição para se constituir como alternativa político-social contra o sistema.
É pouco provável que alguma dessas “internacionais” tenha um crescimento com força para atrair os movimentos e as novas vanguardas que surgem nesses movimentos e contribuindo com o desenvolvimento da consciência.
Diante dessa fragmentação e, ainda, sem condições de uma unificação mais orgânica pelo menos entre parte dessas organizações, consideramos importante a batalha para “unificar a esquerda anticapitalista mundial na forma que for possível”.
Considerando a necessária batalha para superar a crise da alternativa socialista, propomos como bandeiras permanentes:
- A batalha pelo desenvolvimento de um movimento político dos trabalhadores com independência de classe e um programa socialista!
- Por um internacionalismo proletário ativo e concreto, participando e desenvolvendo atividades públicas e de diálogo com a classe trabalhadora sobre as questões mais importantes da luta de classes em nível mundial;
- Por uma Frente Internacional de organizações anticapitalistas, democrática e com um programa para enfrentar a crise capitalista em nível mundial e lutar pelo socialismo. Nessa frente, enquanto não houver condições de unificação em uma forma organizativa superior, todas as organizações/correntes mantêm sua autonomia;
- O socialismo será mundial ou não haverá socialismo. Pela revolução socialista internacional! Por uma sociedade socialista mundial!
Um conjunto de palavras de ordem para nos auxiliar na intervenção da luta de classes mundial
Abaixo apresentamos, sem nenhuma hierarquia entre elas, algumas palavras de ordem como orientação em relação às questões mais comuns na realidade mundial
- Solidariedade às lutas dos trabalhadores em todos os países;
- Pelo não pagamento das dívidas aos especuladores internacionais. Fim do FMI, Banco mundial, cancelamento da dívida dos países pobres, por reparações dos países imperialistas aos países da África pelos séculos de escravização e saque das riquezas;
- Reivindicações democráticas: Em defesa das conquistas democráticas. Em defesa dos direitos civis e democráticos, pelo direito de greve e de manifestação;
- Contra a xenofobia, o racismo, a homofobia e o machismo, direitos iguais para os trabalhadores imigrantes independentemente de raça, religião ou orientação sexual e gênero;
- Defesa da soberania dos países: Direito à autodeterminação dos povos, que cada povo decida seu destino, sem a interferência de outros Estados. Contra as invasões e guerras imperialistas. Fora todas as tropas de ocupação imperialista ou a seu serviço em qualquer território do mundo; Fim de todas as bases militares e fim da OTAN;
- Pelo desarmamento das potências imperialistas e desmantelamento dos arsenais de armas de destruição em massa, nucleares, químicas e biológicas;
- Contra o agronegócio, os transgênicos e a destruição ambiental, contra a especulação com alimentos, em defesa da agricultura familiar e da soberania alimentar dos povos;
- Contra a destruição ambiental provocada pelas corporações imperialistas, expropriação sob controle dos trabalhadores das empresas que cometerem crimes ambientais;]
- – Controle dos trabalhadores sobre toda tecnologia de fertilizantes e outros mecanismos de controle de pragas e desenvolvimento da produção agrícola, visando estabelecer uma produção ambientalmente sustentável;
- Pelo uso racional dos recursos naturais, isto é, de acordo com as necessidades humanas, como no caso do petróleo e da água
- Nenhuma confiança nos governos burocráticos, burgueses nacionalistas e islâmicos, pela organização independente dos trabalhadores;
- Unidade da classe trabalhadora em nível mundial para enfrentar os imperialismos;
- Contra qualquer forma de discriminação, xenofobia, racismo, islamofobia, homofóbica ou machista!
- Unidade antifascista! Pela formação de autodefesas operárias subordinadas aos organismos coletivos do movimento, contra os ataques das forças repressivas, paramilitares e fascistas!
- Contra o encarceramento em massa no mundo, principalmente nos Estados Unidos, China e Rússia e Brasil;
- Todos os povos têm o direito de defender seu território. Nenhum povo pode ser obrigado a se desarmar enquanto as potências imperialistas dispuserem de arsenais nucleares e de destruição de massa. Desmantelamento dos arsenais de armas de destruição em massa, das armas nucleares, das armas químicas e bacteriológicas;
- Punição a todos os criminosos de guerra em tribunais internacionais permanentes dos trabalhadores, independentemente do país de origem. Fim da tortura e punição para todos os seus praticantes;
- Fim do Estado de Israel. Por um Estado laico, democrático e que congregue o proletariado multi-étnico no território da Palestina. Por uma confederação socialista do Oriente Médio;
- Controle de cada país sobre os empreendimentos estrangeiros em seu território. Fim da remessa de lucros. Estatização do sistema financeiro, sob controle dos trabalhadores;
- Igualdade de direitos para homens e mulheres;
- Livre circulação dos trabalhadores pelas fronteiras de qualquer país. Fim da perseguição aos imigrantes, plena integração às sociedades onde vivem, direito ao trabalho, livre acesso a todos os serviços sociais.
- Destruição imediata dos muros (México, Gaza, etc.) levantados pelo imperialismo e pelo sionismo.
- Fim da exploração sexual e do tráfico de mulheres e crianças. Fim da exploração sexual de transexuais, homossexuais e travestis;
- Fim da política de guerra às drogas!