A chegada do inverno e a redução das temperaturas no Brasil lançam, mais uma vez, um grande alerta de saúde pública. Enquanto as taxas médias de imunização vacinal caem ano a ano, o número de mortes por doenças respiratórias cresce enquanto a luta negacionista antivacinal continua intensa e patrocinada pelos obscurantistas da extrema direita.
A disseminação de narrativas confusas, parciais e obscuras – falsas, ao fim e ao cabo – sobre as vacinas impacta a adesão da população aos imunizantes e às campanhas. Embora não seja o único elemento que explique a baixa imunização, parece ser decisivo na batalha de ideias que rolam nas redes sociais: uma verdadeira cruzada liderada pelos ‘influencers’ com seu discurso idiotizado e cruzado de inverdades.
De forma objetiva, parte das pessoas que têm contato com as ‘Fake News’ antivacina passa a duvidar da segurança e eficiência das vacinas, dificultando o aumento da cobertura vacinal. Isso demonstra que hoje é necessária uma grande campanha informativa sobre o tema para fazer a disputa com o negacionismo e o obscurantismo. (1)
Nos últimos meses, a mortalidade causada por doenças ‘vacináveis’ aumentou de forma generalizada no Brasil. A cidade de São Paulo, por exemplo, registrou um aumento de 57,1% no número de mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) causadas por influenza, até o mês de maio. Registraram-se 121 óbitos pela doença em 2025 em contraste com 77 ocorridos em 2024. A adesão à campanha de vacinação segue baixa, ao redor de 35% nos grupos prioritários, quando a meta é de 90%. Em Minas Gerais, os óbitos chegam a 442 levando a um estado de “emergência em saúde pública”.
O problema não é apenas regional: segundo a Fiocruz, 17 capitais brasileiras sofrem com o crescimento prolongado de casos de síndrome respiratória: a Influenza A é o principal vírus associado aos óbitos registrados, principalmente entre crianças e idosos.
No extremo sul do Brasil – onde o frio é mais intenso – os números são alarmantes: os óbitos por influenza cresceram 90% em Santa Catarina este ano enquanto os dados oficiais alertam para a baixa cobertura vacinal no estado mais bolsonarista do Brasil. E as duas coisas tem, sim, relação.
São mais de seis mil casos de SRAG, provocados por diversos vírus. A Covid-19 aparece, por exemplo, com 251 casos ou 4,1% do total. A ocupação de leitos hospitalares catarinenses já atinge cerca de 94% na média estadual e no interior chega a 99%. O número de óbitos chegou a 126, bem superior aos 66 ocorridos em 2024, ou seja, 90% de aumento. Em maio, havia menos de 28% de cobertura vacinal nos grupos prioritários (crianças, idosos e gestantes).
A cobertura no Rio Grande do Sul, por sua vez, também estava próxima a 28% entre os grupos prioritários em maio, muito distante da meta. Foram 37 mortes em decorrência da infecção pelo vírus influenza, segundo dados da Secretaria de Saúde. Dessas, 25 foram entre idosos e duas entre crianças abaixo de cinco anos. O número de casos graves chegou a 1.368, uma alta de 39% em relação aos 983 registrados no mesmo período em 2024.
Até o dia 12 de junho, mais de 36 milhões de doses foram aplicadas em todo o país, o que significa uma cobertura vacinal de 38,43% para o público prioritário, um dado muito grave. Mas, além disso, a falta de vacinas tem sido algo corriqueiro desde ano passado: em setembro, mais de 70% das cidades enfrentava algum grau de desabastecimento de imunizantes. Apesar de relativa melhora no problema, as vacinas de Covid e Varicela, entre outras, ainda apresentam falta significativa até metade de 2025.
A militância negacionista no parlamento
A deputada federal bolsonarista Júlia Zanatta (PL-SC) – aquela que 24 horas por dia usa flores numa tiara, um símbolo conservador com variadas significações – apresentou Projeto de Lei que sugere eliminar a obrigatoriedade da vacinação em todo o país, inclusive em situações de pandemia ou calamidade pública. As medidas visivelmente desestimulariam a vacinação argumentando que a ‘liberdade individual’ de escolha e ‘tradições familiares’ estariam acima da imunização coletiva da população. O Jornalista Reinado Azevedo, de forma sagaz, questionou em seu programa se tal relativização das vacinas valeria para o gado no caso da febre aftosa. Boa questão.
Além disso, o PL 2641/2025 estabelece que a aplicação vacinal só poderia ocorrer mediante “consentimento expresso, livre e esclarecido do indivíduo ou de seu responsável legal”, o que seria uma espécie de ‘barreira legal’. O texto também proíbe que a vacinação seja exigida como condição para acesso à matrícula escolar e, por fim, criminaliza uma suposta “coação vacinal”, crime com um amplo espectro de agravantes, segundo o projeto da obscura deputada. As penas para tal crime poderiam chegar a 4 anos de reclusão.
Um banho de ciência para derrotar o obscurantismo negacionista
Existem provas abundantes que vacinas reduzem drasticamente casos graves e óbitos de várias doenças. A vacinação deve ser estimulada, sem qualquer apologia acrítica e também considerando, evidentemente, casos individuais de pessoas alérgicas aos medicamentos.
Cabe considerar ao mesmo tempo, que saúde plena vai muito além dos remédios. Além de vacinas, precisamos de saneamento básico, dieta saudável e bons hábitos, inclusive nos invernos que estimulam as pessoas ao isolamento em lugares mais fechados e insalubres: ambiente ideal para vírus e bactérias se instalarem.
O conceito de saúde deve ser amplo, portanto. No caso específico da vacinação é muito urgente a realização de amplas campanhas de vacinação utilizando todos os meios de comunicação possíveis. Precisamos voltar ao tempo no qual o Brasil era campeão de vacinação. Ao mesmo tempo, combater o negacionismo em todos os espaços e travar de forma dura e argumentativa a batalha pela vida e pelo respeito à ciência.
Fontes
https://tinyurl.com/k649atw9
https://tinyurl.com/2u9z249h
https://tinyurl.com/47y43hnj
https://tinyurl.com/54sjn2un
https://tinyurl.com/yr7xhu3p
- Obscurantismo significa, entre outras coisas, o estado de quem se encontra na escuridão, de quem vive na ignorância. No nível social, político e cultural trata-se da negação da instrução avançada e da desconfiança ante a ciência e novas descobertas. Geralmente, a tradição é colocada à frente de tudo, mesmo contra evidências objetivas. O obscurantismo também pode ser considerado como o conjunto de ideias ultraconservadoras anteriores a onda iluminista ocorrida a partir do século XVIII e que deu origem a teorias como o liberalismo e o socialismo. Enfim, é a resistência ao conhecimento inovador e, consequentemente, a oposição ao progresso intelectual.