Pedro Eduardo Graça Aranha1
Enquanto o sistema capitalista impulsiona o colapso ambiental global, a ecologia marxista oferece um diagnóstico radical e um programa de sobrevivência para a classe trabalhadora em meio ao caos climático, ecológico e social.
Vivemos uma era marcada por múltiplas crises: incêndios florestais devastadores, colapsos de ecossistemas, aumento exponencial de eventos climáticos extremos, escassez de água e alimentos, e migrações forçadas em escala planetária. A Terra está em colapso, e esse colapso não é resultado de um destino inevitável ou de um “Antropoceno” homogêneo onde toda a humanidade seria igualmente responsável. Pelo contrário, há um motor específico por trás da destruição do planeta: o modo de produção capitalista.
A ecologia marxista, ao contrário das abordagens dominantes da economia verde ou do ambientalismo liberal, entende que a crise ecológica não é um “acidente de percurso” corrigível com reformas, tecnologias limpas ou acordos climáticos ineficazes. Trata-se de uma crise estrutural: o capitalismo, ao buscar crescimento infinito num planeta finito, está ultrapassando todos os limites ecológicos. O sistema não apenas falha em proteger a natureza, como depende da sua contínua degradação para manter a taxa de lucro.
Além disso, a crise ambiental intensifica a crise estrutural do próprio capitalismo, criando uma dinâmica de retroalimentação destrutiva: quanto mais o capital destrói a natureza, mais se aprofunda sua instabilidade interna, o que por sua vez acelera ainda mais a pilhagem dos recursos naturais e a exploração da classe trabalhadora.
A crise ecológica que assola o planeta não é apenas uma “ameaça futura”, mas uma realidade presente, concreta e brutal. As evidências científicas são avassaladoras: estamos vivendo a **sexta extinção em massa** da biodiversidade, com taxas de desaparecimento de espécies milhares de vezes superiores à média natural. Mais de 70% das florestas primárias do mundo já foram destruídas ou degradadas. Os oceanos estão se tornando zonas mortas, invadidos por plásticos, esgoto e calor. A atmosfera está saturada por gases de efeito estufa, elevando a temperatura global a níveis perigosos e irreversíveis em termos humanos.
O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) — mesmo em sua linguagem moderada e diplomática — alerta para uma escalada catastrófica: eventos extremos como enchentes, secas, furacões e ondas de calor já são mais intensos e frequentes do que em qualquer outra época registrada. O aumento da temperatura média global ultrapassou 1,2°C desde a era pré-industrial, e a meta de 1,5°C, definida pelo Acordo de Paris, está prestes a ser rompida. A consequência? Desertificação de territórios inteiros, insegurança alimentar, colapso de ecossistemas e deslocamento de milhões de pessoas.
Além disso, os chamados “pontos de não retorno” — como o derretimento da calota da Groenlândia, a morte da Amazônia e a liberação de metano do permafrost siberiano — podem desencadear feedbacks climáticos que aceleram o aquecimento global de forma autônoma, além da capacidade de controle humano. Isso tornaria vastas áreas do planeta inabitáveis, criando zonas mortas não apenas para a natureza, mas também para sociedades humanas.
Esses dados, no entanto, não devem ser interpretados apenas como resultado de “más escolhas” ou “consumo irresponsável” da humanidade em geral. A ecologia marxista insiste em uma pergunta fundamental: **quem está destruindo o planeta, e por quê?**
O colapso ecológico é profundamente desigual: os 10% mais ricos da população mundial são responsáveis por mais da metade das emissões globais de CO₂, enquanto os 50% mais pobres contribuem com menos de 10%. Multinacionais do setor de combustíveis fósseis, agronegócio, mineração e indústria bélica estão entre os principais emissores e poluidores — muitas vezes com o aval e financiamento direto dos Estados.
Além disso, empresas como ExxonMobil, Shell, Chevron, BP e outras sabiam, desde os anos 1970, dos impactos das emissões de gases de efeito estufa. Mas preferiram financiar campanhas de desinformação e bloquear legislações ambientais para proteger seus lucros.
A devastação da natureza não é apenas tolerada, mas **necessária ao funcionamento do capitalismo**, que depende da extração incessante de recursos naturais baratos e da conversão de bens comuns em mercadorias lucrativas. O capital não se importa com a vida, apenas com a valorização do valor. Como diria Marx, o capital é “trabalho morto que se alimenta de trabalho vivo”, e isso inclui também a natureza como uma forma de “trabalho não remunerado” — ou seja, explorado sem retorno.
O que para a maioria da população mundial é crise, para o capital é negócio. A financeirização da natureza — por meio de créditos de carbono, compensações ambientais e “soluções de mercado” — transforma a destruição em oportunidades de lucro. O discurso da sustentabilidade corporativa, das metas ESG e da “transição verde” nada mais é do que um verniz verde sobre um sistema que continua a operar com base na exploração, na pilhagem e na desigualdade.
Enquanto isso, populações indígenas, camponeses, quilombolas e trabalhadores urbanos sofrem as piores consequências do colapso ambiental: perda de território, doenças ambientais, insegurança alimentar e hídrica, violência policial e criminalização da luta pela terra e pelo meio ambiente.
A ecologia marxista nos convida a enxergar que a crise ambiental não é periférica, mas central ao modo de produção capitalista. Não há como resolver a catástrofe ecológica dentro dos marcos do capital. A única alternativa real é superar esse sistema, e isso nos leva ao próximo ponto: a própria **crise estrutural do capitalismo**.
A crise ambiental em curso não acontece isoladamente. Ela caminha lado a lado com a crise estrutural do capitalismo, um sistema que, nas últimas décadas, mostra sinais evidentes de esgotamento. A estagnação econômica, o crescimento da desigualdade social, o endividamento explosivo, o desemprego crônico, a financeirização da economia e a precarização das condições de vida indicam que o capitalismo não é apenas ecologicamente insustentável — ele também é socialmente inviável e economicamente instável.
A teoria marxista entende que o capitalismo, ao contrário do que afirmam seus apologistas, não é um sistema equilibrado, mas sim atravessado por contradições internas que o levam ciclicamente à crise. Marx chamou isso de tendência decrescente da taxa de lucro: com o avanço tecnológico e a substituição de trabalho vivo (o que gera valor) por máquinas e capital fixo (que não o gera), o sistema passa a ter dificuldade em manter sua rentabilidade. Isso provoca crises periódicas de superprodução, desemprego em massa e destruição de forças produtivas.
Desde a década de 1970, o capitalismo tenta superar essa crise estrutural com novas formas de acumulação: globalização neoliberal, desregulamentação dos mercados, privatizações, ataques aos direitos trabalhistas e expansão do crédito. A financeirização da economia — ou seja, o domínio do capital especulativo sobre o produtivo — tornou-se uma característica central do sistema. Porém, ao invés de resolver as contradições, essas “soluções” as aprofundaram, tornando a economia mundial ainda mais frágil e propensa a colapsos sistêmicos, como visto em 2008, e nas crises subsequentes.
David Harvey, teórico marxista contemporâneo, cunhou o termo acumulação por espoliação para descrever como o capital recorre a formas cada vez mais violentas e predatórias de se reproduzir. Quando o lucro produtivo entra em declínio, o sistema passa a buscar renda através da apropriação direta: privatização de bens públicos, despossessão de comunidades, devastação ambiental e expansão de zonas de sacrifício.
Nesse contexto, o colapso ambiental não é um “efeito colateral” da crise do capital, mas uma **estratégia de sobrevivência do sistema**. A destruição da natureza — e das vidas que dela dependem — se torna uma fonte direta de lucro, principalmente para setores como o agronegócio, a mineração e a indústria bélica. O capitalismo entra em modo canibal, devorando tudo o que resta: florestas, água, ar, solo, corpos e até o próprio futuro.
O resultado é uma verdadeira barbárie climática e social, onde as classes dominantes constroem seus bunkers ecológicos — com energia limpa, segurança privada e acesso privilegiado a recursos — enquanto bilhões de pessoas enfrentam fome, migração forçada, doenças, violência e desespero. O colapso é seletivo: ele mata primeiro os mais pobres, racializados e vulneráveis.
A pandemia de COVID-19 foi um marco importante na exposição das fragilidades do sistema. Mostrou como cadeias produtivas globais podem entrar em colapso com rapidez, como os Estados são mobilizados em defesa do capital (não da vida), e como a ciência e o cuidado coletivo são frequentemente subordinados ao lucro. A recuperação econômica pós-pandemia, baseada em incentivos ao consumo, aumento da produção e estímulo à exploração de recursos naturais, apenas acelerou o aquecimento global e a degradação ambiental.
O genocídio na Faixa de Gaza provocada pelo estado terrorista de Israel, a guerra na Ucrânia, o recrudescimento do fascismo em vários países, e o aumento das tensões geopolíticas também revelam que o capitalismo não é apenas instável ecologicamente, mas também politicamente. Diante de sua crise estrutural, o sistema responde com autoritismo, repressão e militarização, ao invés de bem-estar, justiça e democracia.
A conclusão é clara: o capitalismo não está em crise — o capitalismo é a crise. Sua lógica interna o leva inexoravelmente ao colapso, e, ao tentar fugir de sua própria obsolescência, ele acelera a destruição do planeta. Essa dinâmica leva à retroalimentação entre colapso ambiental e crise estrutural, que exploraremos na próxima seção.
A relação entre o colapso ambiental e a crise estrutural do capitalismo não é de mera coincidência ou correlação. Trata-se de uma relação dialética de retroalimentação: um processo em que as contradições do sistema capitalista aprofundam a crise ecológica, e esta, por sua vez, agrava a instabilidade do próprio sistema, criando um ciclo vicioso de colapso ecológico e social.
A ecologia marxista entende que natureza e sociedade são inseparáveis. A destruição dos ecossistemas naturais é também a destruição das bases materiais da reprodução social humana. E, ao contrário do que propõe a visão tecnocrática dominante — que trata a crise ambiental como um problema técnico e isolado — a ecologia crítica mostra que estamos diante de um **impasse sistêmico**, onde a destruição ambiental já não pode ser tratada como uma externalidade, mas sim como uma condição interna do modo de produção atual.
A natureza fornece ao capitalismo dois elementos fundamentais: recursos naturais baratos (energia, matérias-primas, água, terra) e espaços para despejo de resíduos (poluentes, lixo, emissões de carbono). Sem esses “serviços gratuitos”, o sistema não pode funcionar. No entanto, para manter sua lógica de crescimento exponencial e lucro constante, o capitalismo ultrapassa os limites físicos do planeta, destruindo exatamente as condições de que precisa para existir.
Esse paradoxo gera instabilidade. Quando os recursos começam a escassear — como água potável, solos férteis ou minerais estratégicos — os custos de produção aumentam, o lucro diminui e as crises se aprofundam. Da mesma forma, quando os impactos ambientais atingem a saúde pública, a produtividade do trabalho e a infraestrutura econômica, o sistema é obrigado a gastar cada vez mais com mitigação, contenção e adaptação.
Em outras palavras, a crise ecológica encarece a reprodução do capital, acelerando sua própria crise estrutural. O colapso ambiental torna-se um entrave ao funcionamento “normal” do sistema, mesmo que o próprio sistema continue alimentando esse colapso.
Diante dessa crise interligada, surgem duas respostas distintas:
1. A resposta capitalista: transformar a crise ecológica em um novo campo de negócios, promovendo a chamada “transição verde” sob controle corporativo. Isso inclui: créditos de carbono e mercados de emissões; investimentos em energia renovável privatizada; produção de carros elétricos em larga escala; mineração “sustentável” para baterias; financeirização de serviços ecossistêmicos.
Essa estratégia busca reconciliar o capital com a natureza, criando a ilusão de que é possível crescer economicamente de forma indefinida sem destruir o planeta. No entanto, ela ignora que o próprio crescimento — mesmo que “verde” — exige consumo crescente de materiais, energia e força de trabalho. A “solução de mercado” não só mantém as estruturas de poder existentes, como também aprofunda as desigualdades e a destruição.
2. A resposta ecossocialista: reconhecer que a lógica do capital é incompatível com a sustentabilidade da vida. Isso exige uma ruptura radical com o sistema atual e a construção de uma nova forma de organizar a economia e a sociedade, com base na justiça ecológica, igualdade social e planejamento democrático da produção.
O ecossocialimo não busca apenas mitigar a crise, mas superar suas causas estruturais. Isso significa desmercantilizar a natureza, descarbonizar a matriz energética, reorientar a produção para as necessidades humanas reais (e não para o lucro), e democratizar o controle sobre os meios de produção.
À medida que a crise ecológica se intensifica, o capitalismo responde com mais espoliação, mais exploração e mais autoritarismo. A extração de combustíveis fósseis continua mesmo em plena emergência climática. A mineração avança sobre territórios indígenas e áreas de preservação. A agricultura industrial devasta florestas e contamina rios. E, diante da resistência popular, a repressão se intensifica.
Tudo isso contribui para aumentar a instabilidade do sistema, criando um ambiente de crise permanente: econômica, política, ecológica e social. O colapso já não é um evento futuro — é uma dinâmica em curso, um estado crônico de degradação, onde a catástrofe se torna a nova normalidade.
Esse quadro exige uma mudança profunda e urgente. Não há espaço para ilusões reformistas ou saídas técnicas dentro da lógica do capital. O que está em jogo não é apenas o “meio ambiente”, mas a possibilidade de existência digna para as futuras gerações da humanidade. A ecologia marxista, ao revelar a engrenagem desse colapso retroalimentado, também nos aponta para sua superação.
E essa superação depende, sobretudo, da ação organizada da classe trabalhadora.
A ecologia marxista não é apenas uma crítica da destruição ambiental provocada pelo capitalismo — ela é, antes de tudo, uma ferramenta teórica e política para compreender e transformar o mundo. Diferente das abordagens ambientalistas liberais, que tendem a tratar a crise ecológica como um problema de consumo individual, má gestão ou ausência de regulação, a ecologia marxista localiza a raiz da destruição ambiental na própria estrutura do modo de produção capitalista.
Para a tradição marxista, a sociedade capitalista não é apenas uma organização econômica, mas uma forma histórica concreta de metabolizar a relação entre seres humanos e natureza. E esse metabolismo é rupturista e destrutivo: o capital transforma a natureza em mercadoria, submete o tempo ecológico à lógica do tempo do lucro e rompe os ciclos naturais de reprodução, provocando desequilíbrios sistêmicos.
John Bellamy Foster, um dos principais teóricos contemporâneos da ecologia marxista, retoma o conceito de “ruptura metabólica” proposto por Marx. Segundo essa ideia, o capitalismo separa os humanos dos processos naturais ao romper os circuitos de renovação ecológica. Por exemplo: ao extrair nutrientes do solo para produzir mercadorias agrícolas que são exportadas globalmente, sem que esses nutrientes retornem ao solo, o sistema cria uma cadeia de esgotamento ecológico e dependência de insumos químicos (fertilizantes, agrotóxicos etc.).
Essa ruptura do metabolismo entre sociedade e natureza é, portanto, inerente ao funcionamento do capital — e não uma falha corrigível com inovação tecnológica ou política ambiental moderada.
Superar o capital para reconectar o metabolismo
A ecologia marxista propõe restabelecer o metabolismo social com a natureza de forma racional, planejada e sustentável, o que só é possível mediante uma superação do capitalismo. Isso implica em mudanças estruturais como:
a)Democratização dos meios de produção: colocar setores estratégicos da economia sob controle público e popular, garantindo que a produção sirva às necessidades humanas e ecológicas, e não à acumulação privada de capital.
b)Planejamento ecológico da economia:definir democraticamente o que, como e para quem produzir, priorizando bens essenciais, reduzindo drasticamente o consumo supérfluo e evitando a destruição de ecossistemas.
c)Redução da jornada de trabalho: distribuir o tempo de trabalho entre todos e permitir que as pessoas vivam com dignidade sem depender da hiperexploração do trabalho e da natureza.
d)Transição energética justa: abandonar os combustíveis fósseis, investir em energias renováveis descentralizadas e públicas, e garantir que os trabalhadores dos setores poluentes tenham acesso à reconversão profissional com segurança e dignidade.
e)Desmercantilização da vida: tornar bens como água, saúde, alimentação e moradia direitos universais, retirando-os do mercado e da lógica do lucro.
A ecologia marxista não é antitecnológica nem propõe um retorno romântico a formas “primitivas” de vida. O que está em jogo não é recusar o desenvolvimento científico e técnico, mas sim colocar esse conhecimento a serviço da vida, e não do capital. Uma sociedade ecossocialista pode (e deve) utilizar ciência, tecnologia e inovação, mas com critérios baseados na justiça ecológica, na igualdade e no respeito aos limites planetários.
A proposta é construir uma civilização pós-capitalista, onde a produção seja ecologicamente orientada e socialmente justa, rompendo com a lógica de crescimento infinito, obsolescência programada e consumismo alienado. Isso exige um novo modo de vida, centrado em valores como solidariedade, bem comum, cooperação e cuidado — tanto com os outros seres humanos quanto com a natureza.
Um ponto fundamental da ecologia marxista é a centralidade da luta de classes na disputa pelo futuro ecológico. O capital, em sua fase atual, depende cada vez mais da destruição da natureza e da precarização do trabalho. Portanto, a classe trabalhadora — composta por todos os que vivem da venda de sua força de trabalho — tem interesse objetivo em romper com esse sistema.
Mais do que “vítima”, a classe trabalhadora é sujeito histórico da transformação ecológica. É ela que pode reorganizar a produção, resistir às formas de espoliação ambiental, construir alternativas sustentáveis e travar uma luta antissistêmica que articule as pautas sociais, ecológicas, antirracistas, feministas e anticoloniais.
A ecologia marxista também reconhece que os povos originários, camponeses, quilombolas e comunidades tradicionais** desempenham um papel estratégico na defesa de modos de vida sustentáveis e na resistência aos megaprojetos destrutivos. A aliança entre a classe trabalhadora urbana e os povos da terra é um dos eixos centrais para qualquer programa revolucionário ecossocialista
Diante da dupla catástrofe — ambiental e social — que o capitalismo impõe ao planeta, torna-se cada vez mais urgente a construção de um **programa de sobrevivência** voltado à maioria da população: a classe trabalhadora. Não se trata de um programa meramente reivindicativo ou adaptativo, mas de uma estratégia de resistência, reorganização e superação sistêmica, capaz de proteger a vida diante do colapso, ao mesmo tempo em que aponta para um novo horizonte: o ecossocialismo.
Esse programa de sobrevivência deve partir de uma constatação fundamental: os governos e empresas não vão nos salvar. Ao contrário, eles estão no centro da crise. Em nome da estabilidade dos mercados, da competitividade internacional e da lucratividade corporativa, os Estados capitalistas seguem protegendo o capital em detrimento da vida. Esperar por soluções vindas “de cima” é condenar a humanidade à catástrofe.
A alternativa só pode vir de baixo, a partir da organização coletiva, da solidariedade entre os povos, da autodefesa popular e da construção de poder popular. A seguir, apresentamos alguns eixos centrais desse programa de sobrevivência, a partir da perspectiva da classe trabalhadora.
Em meio à devastação ambiental e à instabilidade econômica, os direitos básicos devem ser prioridade absoluta: Alimentação: criação de redes populares de produção agroecológica e distribuição solidária de alimentos, com apoio a camponeses, assentamentos da reforma agrária e cooperativas. Combate ao agronegócio e defesa da soberania alimentar. Moradia: ocupação e urbanização de terras ociosas, defesa das ocupações urbanas, enfrentamento à especulação imobiliária. Construção de moradias populares sustentáveis com tecnologias sociais. Saúde: fortalecimento dos sistemas públicos de saúde, acesso universal a cuidados médicos, proteção contra doenças relacionadas ao colapso ambiental (doenças respiratórias, zoonoses, pandemias). Água e saneamento: acesso gratuito e universal à água potável, desprivatização dos serviços de saneamento, proteção dos mananciais e das bacias hidrográficas. Energia: acesso garantido à energia elétrica para todas as famílias, com prioridade para fontes renováveis e comunitárias. Fim do monopólio das grandes corporações energéticas
Em uma economia cada vez mais instável e destrutiva, a luta por trabalho digno e ecologicamente sustentável é central: Redução da jornada de trabalho sem redução de salário, para combater o desemprego estrutural e melhorar a qualidade de vida. Investimentos massivos em setores ecológicos: reflorestamento, agricultura agroecológica, transporte público, energias renováveis, reciclagem e cuidados com a saúde e educação. Reconversão de setores poluentes, como petróleo, carvão e agronegócio, com garantia de emprego e qualificação para os trabalhadores desses ramos. Criação de cooperativas autogestionadas, com apoio técnico, financiamento público e participação popular na tomada de decisões.
A intensificação do colapso trará aumento de violência, repressão e disputas por recursos. É essencial que as comunidades se organizem para proteger a vida:
Autodefesa comunitária, com redes locais de vigilância, proteção de territórios e solidariedade mútua. Aliança entre trabalhadores urbanos e povos indígenas, quilombolas e camponeses, para defender a terra, as florestas e as águas. Luta pela soberania territorial, com reconhecimento pleno dos direitos territoriais de povos tradicionais e proteção contra o avanço de megaprojetos. Resistência contra o ecofascismo, ou seja, a resposta autoritária do capital à crise ecológica, baseada em repressão, racismo ambiental e controle militar.
Educação Ambiental Anticapitalista
A batalha pelo futuro também é uma batalha de ideias. É preciso politizar a crise ecológica, mostrando sua origem de classe e construindo consciência crítica:
Educação popular climática, articulando saberes científicos e saberes tradicionais, nas escolas, comunidades, sindicatos e movimentos sociais.
Formação política anticapitalista, para entender que a salvação do planeta exige a superação do sistema que o destrói.
Fortalecimento da mídia alternativa e das redes de comunicação popular, combatendo a desinformação climática e as falsas soluções do capital.
A sobrevivência da classe trabalhadora exige mais do que defesa: exige organização, participação e poder. A democracia liberal, capturada pelo capital, é insuficiente. É necessário construir novos instrumentos de poder popular:
Conselhos populares, assembleias territoriais, comitês ecológicos de base, onde as comunidades decidam coletivamente sobre seus territórios, recursos e formas de vida.
Fortalecimento dos sindicatos e movimentos sociais, com pauta ecológica integrada à luta trabalhista.
Organização internacionalista, conectando lutas locais à resistência global, com solidariedade entre os povos do Sul Global e enfrentamento ao imperialismo ecológico.
Este programa de sobrevivência não é uma utopia. É uma necessidade histórica. Diante do avanço do colapso ecológico e do endurecimento do capital, as alternativas se tornam claras: ou nos organizamos para resistir coletivamente ou seremos destruídos individualmente. Mas a resistência não é apenas defensiva — ela pode (e deve) se tornar ofensiva. É da luta por sobrevivência que pode nascer uma nova civilização, baseada na justiça ecológica, na igualdade social e na liberdade real.
A classe trabalhadora tem, ao mesmo tempo, as condições objetivas para essa transformação e o interesse vital em realizá-la. Sua força está na coletividade, na organização, na solidariedade e na capacidade de interromper o funcionamento do sistema. Ao interromper o metabolismo destrutivo do capital, ela pode reconstruir o metabolismo entre sociedade e natureza sobre novas bases
Chegamos a um ponto de inflexão na história da humanidade. O colapso ambiental global e a crise estrutural do capitalismo não são eventos separados, mas duas faces de um mesmo processo de esgotamento civilizacional. A destruição da natureza, o aprofundamento das desigualdades e o avanço do autoritarismo não são acidentes ou desvios — são os sintomas finais de um sistema que já não tem como sustentar a vida.
O planeta não está apenas aquecendo: ele está sendo saqueado. A floresta queimada, o rio contaminado, o alimento envenenado, o corpo adoecido, o trabalhador exausto e a criança sem futuro fazem parte do mesmo cenário de guerra — uma guerra do capital contra a vida.
A partir da ecologia marxista, compreendemos que a crise ecológica não é um problema técnico, mas político. E mais: é um problema de classe. O colapso do clima e da biodiversidade é produzido por uma minoria dominante que lucra com a destruição, enquanto a maioria da humanidade — especialmente no Sul Global — paga com sua saúde, seu território, seu trabalho e sua existência.
Por isso, a resposta não pode ser técnica, mercadológica ou reformista. A resposta precisa ser revolucionária, no sentido mais profundo e concreto da palavra. É preciso reorganizar a sociedade sobre novas bases, romper com a lógica do capital e construir uma nova relação entre humanos e natureza, mediada por outra forma de produzir, viver e decidir coletivamente os rumos da nossa espécie.
O nome desse projeto é ecossocialismo — uma proposta que unifica as melhores tradições do pensamento marxista com as lutas ecológicas, feministas, antirracistas, indígenas e populares. O ecossocialismo propõe uma transição consciente, planejada e radical, em que a vida e o bem comum estejam acima do lucro, e onde a produção seja subordinada às necessidades humanas e aos limites ecológicos do planeta.
Essa transição não será dada espontaneamente nem por decreto. Ela exigirá organização de base, mobilização social, conflito político e ruptura com as instituições dominadas pelo capital. Mas ela também pode ser construída desde já, em cada ocupação de terra, em cada rede de solidariedade, em cada greve por justiça climática, em cada cooperativa autogestionada, em cada ato de resistência popular contra a destruição ambiental.
Como já diziam os ecos de Rosa Luxemburgo: “socialismo ou barbárie” Mas hoje, precisamos atualizar esse chamado para os tempos do colapso: ecossocialismo ou extinção.
Este artigo é mais do que uma análise: é um convite à luta. Luta pela sobrevivência, sim — mas também pelo renascimento de uma nova forma de viver, baseada na cooperação, na justiça, na solidariedade e na reconexão com a Terra.
Não estamos sós. Em todos os cantos do planeta, há povos se levantando contra a destruição: indígenas defendendo florestas, camponeses construindo agroecologia, trabalhadores organizando greves climáticas, mulheres liderando movimentos por água e comida, juventudes ocupando as ruas contra a catástrofe iminente. Cada uma dessas lutas, mesmo que localizadas, são sementes de futuro — um futuro que precisa ser cultivado no presente, com coragem, consciência e esperança ativa.
O colapso é real. Mas também é real a capacidade de resistir, de reinventar e de reconstruir. A classe trabalhadora, ao se organizar por sua sobrevivência, pode se tornar a força que interrompe o colapso e inaugura um novo ciclo da humanidade — um ciclo onde a vida vale mais do que o lucro, e onde a natureza volta a ser fonte de vida, e não de pilhagem.
O tempo é curto. Mas ainda é tempo. E lutar é a nossa única chance real de vencer.
1 Pedro Eduardo Graça Aranha e professor, militante ecossocialista e idealizador da Coalizão pelo Clima.