Alex Brasil
Nascido em 1960, na favela de Villa Fiorito, subúrbio de Buenos Aires, Diego Maradona já aos nove anos se destacava nas peladas do seu local de moradia. Admirador confesso de Roberto Rivellino, cracaço da seleção brasileira de 1970, Diego, aos 15 anos de idade, estreou como profissional no Argentino Juniors. Apesar da pressão para que ele fosse convocado, mesmo com apenas 17 anos, a seleção argentina prescindiu dele na conquista da controvertida Copa de 1978 no próprio país, evento marcado por armações de uma ditadura sanguinária que governava a Argentina.
No ano seguinte, entretanto, Maradona ganhou o Mundial de Juniores para o seu país. Mesmo no modesto Argentino Juniors e com somente 18 anos, Diego passou a ser titular da seleção campeã do mundo, pois já era considerado o melhor jogador em atividade no mundo, superando Mário Kempes, eleito o craque da Copa de 1978. Em 1981, “El Pibe d’Oro” se transferiu para o seu time de coração, o Boca Juniors, de onde chegaria como titular absoluto do seu país para a Copa da Espanha de 1982.
Entretanto, o time argentino, com jogadores envelhecidos do Mundial anterior, decepcionou. Diego, já apontado como o melhor jogador do mundo, que naufragou junto. Influenciou no mal desempenho argentino, a guerra das Malvinas, aventura patrocinada pelo ditador General Galtieri contra o imperialismo inglês (chefiado por Margareth Thatcher), na tentativa do reconhecimento da soberania Argentina sobre as ilhas Malvinas e que, de fato, não são inglesas. A despedida para Maradona da Copa da Espanha foi lamentável: a expulsão de campo na derrota para o Brasil, após entrada violenta no brasileiro Batista.
Diego foi, em seguida à Copa, para o milionário futebol espanhol, contratado pelo Barcelona. Teve boas atuações, uma perna quebrada, se envolveu em batalhas campais, mas ainda não foi tudo o que se esperava dele. Entretanto, foi na Espanha, que Maradona, aos 24 anos, começou a se envolver com a cocaína, o que marcaria a sua trajetória até o final da vida como dependente químico.
O apogeu da carreira: a Copa do Mundo de 1986 e os títulos pelo Napoli
Em 1985, o craque argentino se transferiu para o também milionário futebol italiano, mas para o modesto Nápoli. E como jogador do clube italiano foi convocado pelo seu país para a Copa do México, em 1986. Foi nessa competição que Maradona se tornou o maior jogador da História, superando Di Stéfano. Atuando em uma seleção apenas mediana, Diego carregou o time nas costas, fazendo o mesmo que fez Mané Garrincha (outro que sofreu com a dependência química do álcool) pelo Brasil na Copa do Chile de 1962. Entre seus momentos brilhantes, três se destacaram: a) o irregular gol com a mão contra os ingleses, nas quartas de final, que ele disse que foi com “a mão de Deus”; b) no mesmo jogo, o gol de placa, driblando meio time inglês; c) o passe perfeito para o companheiro Burruchaga desempatar a final com os alemães.
Maradona promoveu, no seu modo de ver, um ajuste de contas do povo argentino contra o imperialismo inglês, após a derrota na Guerra das Malvinas, e finalmente, aos 25 anos, comprovou tudo o que se esperava dele. Por todo esse conjunto da obra, “El Pibe d’Oro” foi alçado à categoria de herói nacional e foi eleito o melhor jogador da Copa do Mundo e do planeta em 1986.
Foi também no ano de 1986, que Maradona teve um filho fora do casamento com Claudia, filho que só reconheceria trinta anos depois. O apogeu na carreira seguia com os títulos inéditos para o modesto Napoli, como o campeonato italiano de 1987, a Copa da Itália do mesmo ano, e a Copa UEFA de 1988. Porém, ao mesmo tempo, crescia a dependência química das drogas.
Dentro desse contexto, que Diego disputou a sua terceira Copa do Mundo, na Itália, em 1990, em condições físicas abaixo do ideal. Teve lampejos do grande craque que era. Fez uma jogada maravilhosa para o gol de Caniggia, que eliminou o Brasil, por exemplo. Criou polêmicas novamente ao jogar com as mãos, ao salvar um gol da URSS, que eliminaria a Argentina e ao estimular o brasileiro Branco a tomar uma água “batizada” do massagista argentino, que acabou deixando Branco tonto. Também tentou insuflar os moradores de Napoli a torcer pela seleção argentina contra a Itália, nas semifinais da Copa de 1990. Diego conseguiu eliminar os italianos, mas teve toda a torcida contra na final contra a Alemanha, que acabou ganhando o Mundial. O craque argentino, mesmo com os seus lampejos geniais, esteve longe do jogador que fora quatro anos antes no México, e entrava numa curva descendente na carreira.
A decadência: doping e envolvimento com drogas
Menos de um ano depois, Maradona seria flagrado no exame antidoping, em jogo do Napoli contra o Bari. Foi suspenso pela FIFA por 15 meses. Um mês depois, seria preso, na Argentina, por posse de drogas. Era acusado de envolvimento com a Camorra, máfia italiana, e tinha relações muito próximas e pessoais com o presidente argentino, Menen, também envolvido com o submundo.
Acabou se transferindo para o Sevilla espanhol, onde teve uma passagem discreta. Voltaria para a Argentina para atuar no Newell’s Old Boys, também com discrição. Diego tinha problemas constantes não somente com as drogas, mas com a balança, seu peso extrapolava o ideal para o seu baixo tamanho. Não tinha condições para disputar a Copa do Mundo que se avizinhava, a dos EUA de 1994.
Foi dentro desse quadro, que, segundo o jornalista Juca Kfouri da revista “Caros Amigos”, que se deu o arranjo para que Maradona disputasse a Copa de 1994. O brasileiro João Havelange, então presidente da FIFA e no comando do seu último Mundial, precisava de um grande craque para promover a competição em um país que não tinha tradição no futebol. Em contato com Júlio Grondona, presidente da AFA (Associação do Futebol Argentino), perguntou sobre o estado atlético de Maradona. Grondona disse que ele estava sem condições atléticas para atuar na Copa, em função do excesso de peso e que somente com moderador de apetite poderia colocá-lo novamente em forma física. Havelange, então, garantiu que seguraria o antidoping para que Maradona pudesse ser o grande nome para promover a Copa.
Novamente, em condições atléticas ideias, Diego teve atuações espetaculares nos dois primeiros jogos da Copa de 1994, fazendo, inclusive, um golaço contra a Grécia. A Argentina foi eleita pelos jornalistas como favorita à conquista do Mundial. Foi quando João Havelange, que se despedia da FIFA, viu que era importante, no mínimo, manter a CBF sob o controle do então genro, Ricardo Teixeira, e que para isso seria vital a seleção brasileira ganhar a Copa. Em uma reviravolta surpreendente, o acordo de segurar o antidoping de Maradona foi descumprido e o craque foi pego na utilização de efedrina, moderador de apetite. Dois jogos depois, o selecionado argentino seria eliminado do Mundial e Diego se despedia, melancolicamente, das Copas do Mundo.
“El Pibe d’Oro” voltou à Argentina para encerrar a carreira no clube do coração, Boca Juniors. Estimulava as partidas, atacando o arquirrival River Plate. Criou novas polêmicas como o beijo na boca dado em Caniggia, depois de um gol. Mas, já não era nem a sombra do grande jogador que tinha sido: perdia, definitivamente, a batalha para a dependência química, para a boêmia e para a balança de peso. Pelé ainda tentou uma jogada de mestre ao tentar trazê-lo para jogar no Santos com a mitológica camisa 10, mas faltou capital para tanto. Enfim, em 1997, aos 37 anos, Maradona encerrava a carreira de jogador de futebol.
Polêmicas e aproximação com a esquerda após o fim da carreira
Poucos anos depois, a FIFA promoveu pela internet a eleição do melhor jogador do mundo do século XX. Deu Maradona, com grande folga, superando com facilidade, nomes como Puskas, Di Stéfano, Beckenbauer, Cruyff, Mané Garrincha e, pasmem, Pelé. Foi preciso de uma eleição realizada pelos jornalistas para que o título de melhor jogador do mundo do século XX fosse para o brasileiro. Indiscutivelmente, Pelé foi muito mais completo, como jogador e como atleta. Seus feitos (três Copas do Mundo, dos Mundiais de Clubes, quase 1.300 gos feitos) falam por si. Porém, Maradona, como um tango argentino, despertou mais paixões.
E continuou provocando polêmicas e paixões, a ponto de fundarem a igreja maradoniana, no seu país. Como na vez em que atirou e feriu com chumbinho jornalistas sem escrúpulos que invadiam a sua privacidade, ávidos por notícias, nada em Maradona tinha meio termo, era intenso. Um exemplo foi na disputa da Libertadores entre o Boca Juniors e o brasileiro Paysandu, em 2003, quando Maradona mandou comprar e distribuir vários ingressos entre os torcedores do Remo, rival paraense do Paysandu, para o seu time de coração ter uma torcida no jogo em Belém do Pará.
Essa roleta russa que virou a sua vida teve consequências imediatas na sua saúde. Em meados da década passada foi para Cuba tratar do coração, buscando uma das melhores medicinas do mundo. Curado, mandou tatuar a imagem de Fidel Castro na sua perna, que se juntou a outra no seu corpo, a de Ernesto Che Guevara, argentino de nascimento e herói cubano da Revolução de 1959. Diego passou a defender incondicionalmente Cuba. Também nesse período se juntou a manifestação na Venezuela, dirigida por Hugo Chávez e Evo Morales, contra a Área de Livre Comércio da America (ALCA). Pulando, Maradona gritava: “ALCA é o carajo!”
Sua última passagem com destaque pelo futebol foi como treinador da seleção argentina na Copa do Mundo de 2010, na África do Sul, mas fracassou: tinha o cracaço Messi e outros bons jogadores, mas faltava defesa e esquema tático, e a Argentina foi despachada do Mundial pela Alemanha, a mesma que ele tinha vencido na final de 1986 e perdido na final de 1990.
Dez anos depois, Diego se despedia da vida. De um tumor no cérebro a uma parada cardíaca foi pouco tempo. Apura-se se houve negligência médica e, por consequência, homicídio culposo. Seu velório e enterro, na sede do governo em Buenos Aires, foi uma comoção nacional, com enfrentamentos entre populares e a polícia. Não podia ser diferente, pois mesmo instintivamente, o menino pobre Diego Armando Maradona, que se tornou famoso, abraçou a causa dos que tinham a sua origem e enfrentou os poderosos, se aproximando, consequentemente, de bandeiras e símbolos da esquerda. Alguns o acusam de ter feito essa opção por mera jogada de marketing, por puro oportunismo. Não interessa: Maradona foi o único grande astro internacional, nas últimas quatro décadas, que teve essa coragem. E isso é o que importa.