Inegavelmente 2021 é ano de desgaste e de ampliação do repúdio popular ao governo Bolsonaro. Eleito por quase 58 milhões de votos no segundo turno em 2018, Jair Bolsonaro vê derreter lentamente sua aprovação e por vários fatores, especialmente por: aplicar um plano austero ultraliberal que visa ampliar os lucros do capital nas costas dos trabalhadores. E que, longe de reduzir a crise econômica, a ampliou para os mais pobres.
Combinando crise com ataques aos direitos dos trabalhadores formais públicos e privados, o governo Bolsonaro tem representado o aumento da fome, de dificuldades para dar conta do pagamento de energia e do supermercado. A miséria, a carestia e o desemprego se mantêm em patamares elevados, como não visto há vários anos.
Junto a isso, a verdadeira política “pró-vírus” na pandemia também aprofundou imensamente o repúdio de maioria da população ao governo, registrado em pesquisas de opinião, o que deve ser considerado e jamais supervalorizado.
Pouco após a posse, no início de 2019, sua rejeição chegava apenas a 17%. Algo que foi revertido a partir de janeiro de 2021, com índices crescentes e chegando a 55% no mês de setembro (ver quadro).
Estas pesquisas são ilustrativas e não devem ser referência única em qualquer análise séria, especialmente no campo marxista. De qualquer forma, tais índices já fazem grupos de políticos/partidos se movimentarem no tabuleiro eleitoral para 2022.
Cada vez mais protestos contra Bolsonaro
E já no início de 2021 foram registrados panelaços em muitas cidades, geralmente articulados pelas redes sociais, no contexto de agudização da pandemia. Em especial na cidade de Manaus, com a escandalosa falta de oxigênio, problema fartamente negligenciado, em boa medida, pelo governo federal.
Como alternativa ao justo receio de contaminação, carreatas também foram organizadas nos primeiros meses de 2021. Especialmente a partir de ações de torcidas de futebol, movimentos sindicais e sociais foi articulado o primeiro ato nacional para 29/5, apesar de situação crítica em que a média móvel nacional de óbitos por Covid-19 chegava próximo a 1800. Nesse contexto, o primeiro ato foi modesto e não atraiu o conjunto do movimento social ou de esquerda, pois nem todos ainda concordavam com a realização de atos de rua. Tais atos em oposição a Bolsonaro representaram em seu início, em boa medida, uma reposta às inciativas do obscurantismo.
Importante ressaltar que Bolsonaro e seus seguidores fascistoides realizavam desde sempre atividades de rua de formas variadas sob o tema “o Brasil não pode parar”, contra os supostos lockdowns (jamais acontecidos no Brasil de forma efetiva) e até mesmo a favor de medicamentos com eficácia não comprovada.
Cresce a oposição a Bolsonaro
O barco do governo Bolsonaro seguiu naufragando nos meses seguintes. Diversos atos ocorreram (ver tabela) assumindo uma proporção maior que o primeiro em 29/05. Cada vez mais grupos aderiram às manifestações, inclusive grupos de “direita tradicional” neoliberal e de think thanks tipo MBL, ator ultraliberal da política do país. Chegou a ocorrer uma inciativa “Nem Lula, nem Bolsonaro” articulada por esta direita, que contou com a participação de setores ditos de esquerda como o PCdoB e sua Frente Ampla num ato claramente de suposta “3ª via”.
Tais atos, ocorridos praticamente de forma mensal, demonstraram certa estabilidade no número de cidades e participantes. No último evento, em 02 de outubro, ocorreu uma pequena redução no número de participantes o que levou alguns dirigentes a questionarem a realização de novos atos. A distância entre os atos, o próximo está sendo convocado para o dia 20 de novembro, é parte da desmobilização e do freio que as direções burocráticas buscam impor ao movimento, priorizando o terreno institucional e as eleições de 2022.
Raimundo Bonfim, representante da Central de Movimentos Populares (CMP) em entrevista a Folha de SP, disse que não haveria condições políticas para novos atos pois, a direita não tinha participado amplamente no dia 02/10 e não houve a ampliação a novos “segmentos sociais”.
Não ficou claro se o dirigente falava por si mesmo ou por alguma decisão coletiva, já que a participação esteve na média, se comparada aos atos anteriores. Inclusive, nos outros atos em que participaram tais “segmentos sociais”. Não será preciso esperar pela direita para convocar novos atos?
Por novos atos e protestos pelo Fora Bolsonaro e seu governo
A lenta e gradual redução nos números da pandemia permite sim ampliar a convocação e trabalhar pela massificação de novos atos nos próximos meses. Não faz sentido apostar na unidade com organizações e partidos da burguesia, nem mesmo com aqueles que estão pela queda do governo.
Os partidos de esquerda e organizações sociais da classe trabalhadora devem se dirigir às bases da população mais sofrida de todo país, “segmento social” que cresce cada vez mais no cenário de fome e de carestia geral não vistas há vários anos. Esse é o nosso meio, deve ser o nosso campo de atuação.
O contexto de fome e carestia gera instabilidade política, o que motiva mobilizações e permite o chamado à luta. A construção de uma Greve Geral com uma pauta ampla e sensível a essa realidade pode colocar a classe trabalhadora no centro do processo de mobilização.
Ao mesmo tempo, se setores reacionários e neoliberais fizerem movimentos para enfraquecer o governo Bolsonaro que façam nos seus espaços. Nunca esqueçamos que esses setores querem um outro governo, legitimado para aplicar planos de austeridade fiscal, de fome e de arrocho para todo o povo. Não se pode confiar no inimigo. Assim, nossa unidade deve ser com a classe trabalhadora, a juventude e demais explorados nas periferias, nos locais de trabalho e estudo.
Da mesma forma, os atos de protesto não precisam se resumir a “comícios” ou dias festivos com pouco conteúdo político e pouco crítico. Ação-direta, atividades culturais, vigílias (mesmo noturnas), motociatas, bicicletadas, atos simbólicos, etc. são imensas as possibilidades de ações nas ruas.
Além disso, é fundamental a formação de comitês amplos de mobilização pela base pelo “Fora Bolsonaro” nas cidades, o que pode dar forma organizativa a centenas de iniciativas que ocorrem em cada data de luta.
Eleitoralismo não derrubará Bolsonaro antes de 2022
A aposta nas eleições de 2022 para substituir o atual governo também está na pauta “subjetiva” da maioria de direções dos movimentos. Para muitos, o desgaste lento permite a inviabilidade do governo se reeleger no ano que vem. Nos “bastidores” se fala que é melhor enfrentar Bolsonaro desgastado num “segundo turno” e não um representante tucano, por exemplo.
É óbvio que tal premissa é contraditória com a pauta fundamental dos atos, que tem sido a derrubada imediata do governo, algo também presente no discurso até mesmo de Ciro Gomes e assumido cada vez mais por partidos tradicionais da política nacional. Sabemos que os discursos aceitam tudo, a realidade não.
As pedras no caminho de Bolsonaro
Impeachment
No Congresso, as análises de mais de 100 pedidos de Impeachment dependem da decisão exclusiva do presidente Arthur Lira (PP-AL), figura sinistra que tem se mostrado absolutamente indisposto a encaminhar tal questão. Caso um pedido seja encaminhado, vai ser debatido em Comissão Parlamentar e logo depois, caso seja aprovado, será encaminhado ao Plenário para aprovação na Câmara e no Senado.
Caso fosse aprovado o impeachment, Mourão assumiria até o final do governo. Em tese, Bolsonaro ficaria fora das próximas eleições, apesar de que tal premissa não ter sido aplicada à Dilma, no impeachment de 2016, visivelmente uma compensação frente a manobra reacionária do Congresso.
Mas, lembremos que também com rejeição recorde e casos gritantes de crimes, o vampiresco Michel Temer, querido vice, conseguiu escapar de duas votações de impeachment em sessões de votação sem grande pressão popular e concluiu seu mandato. O Congresso Nacional, à base de favorecimentos e cargos, hoje é controlado pelo governo Bolsonaro. Por isso, insistimos que só a mobilização popular pode efetivamente derrubar Bolsonaro.
Terceira via
A disputa tem sido dura entre vários partidos e personalidades para fugirem da polarização Lula x Bolsonaro com a roupagem de terceira via. Tucanos devem realizar prévias para definir um nome entre Dória e Leite. Enquanto isso, Ciro Gomes (terceiro colocado nas últimas eleições e nas pesquisas) corre por fora.
Dificilmente esse campo constituirá um candidato único, até pela imensa heterogeneidade e diversidade de interesses. A grande expectativa é que Lula ou Bolsonaro não disputem a eleição, o que aumentaria o potencial na disputa de votos.
O discurso de fugir dos “polos radicais” é o mais cínico, pois PSDB e companhia atacam radicalmente os direitos da classe trabalhadora. As privatizações dos anos 90 e os atuais governos Dória em São Paulo e Eduardo Leite no Rio Grande do Sul mostram como a prática desse partido é radical contra a classe trabalhadora.
Muita coisa deve acontecer, faltando ainda um ano para as eleições de 2022. No entanto, seguimos imersos nessa crise social, política e econômica que tende a crescer e não há cenário de estabilidade.
Mobilização de massas
A aposta da esquerda e de todos os lutadores não pode ser outra a não ser a construção de mobilizações diretas contra esse governo. Qualquer saída institucional é absolutamente limitada.
É praticamente impossível a queda de Bolsonaro “a frio”, sem o massivo movimento nas ruas. Esse é o grande temor da burguesia: que a luta para derrubar Bolsonaro se ligue aos graves problemas sociais do país como o desemprego, a fome, a miséria.
Atos pelos ‘Fora Bolsonaro’ (2021)
-
Data
Cidades com atividades
Estimativa de participação
29/5
215
420 mil
19/6
370
750 mil
3/7
315
800 mil
24/7
430
600 mil
7/9
85
*
2/10
305
700 mil
*O ato de 07/9 esteve vinculado ao 27º Grito dos Excluídos e no mesmo dia atos pró-Bolsonaro ocorreram em todo país. Não houve estimativa de participantes.
CPI da Covid
Outro importante fator de desgaste do governo, a CPI tem apresentado sólidas denúncias, algumas aterradoras, contra o governo federal e seus aliados obscurantistas.
No fim de outubro, o relatório final indiciou cerca de 70 pessoas desse campo e imputou a Jair Bolsonaro 09 crimes:
# crime contra a humanidade, crime de epidemia com resultado de morte, infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, incitação ao crime, falsificação de documento particular, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação e crimes de responsabilidade #
Os três filhos de Bolsonaro, parlamentares, também estão no relatório com incitação ao crime.
A CPI, embora progressiva ao expor e questionar as omissões e ações genocidas desse governo durante a pandemia, serve também como um meio de desviar as mobilizações de rua para o parlamento, onde as coisas são mais controladas e o descontentamento contra Bolsonaro se canaliza institucionalmente. Em certo sentido, cumpre a função de evitar a radicalização das lutas.
Tais crimes imputados a Bolsonaro podem somar mais de 50 anos de cadeia além da perda do cargo. No mesmo sentido das dificuldades para um impeachment “a frio”, não podemos esperar uma punição efetiva a Bolsonaro a partir da CPI. Os crimes são muito graves e as provas são bastantes fartas, já poderiam ir todos para a cadeia. Mas, sabemos que esse é o parlamento que seguirá servindo e protegendo poderosos.