O último censo do IBGE, o de 2020, apontou que os trabalhadores empregados nas indústrias brasileiras chegam ao número de 7,7 milhões de pessoas. Levando-se em conta que, pelo mesmo censo, temos 214,3 milhões de habitantes no Brasil e que no mesmo período a população economicamente ativa (força de trabalho brasileira) era composta por 100.104 milhões de pessoas, chegaremos à conclusão de que a classe operária é pouco mais de 3,26% dos habitantes do país e pouco mais de 7,6% da força de trabalho, pelos números de 2020. Para traçarmos um paralelo, o Brasil de 1980 tinha 8,5 milhões de trabalhadores nas fábricas, frente a uma população total de 119.002,706 e uma população economicamente ativa de 52, 6% (censo do IBGE daquele ano).
Ou seja, 7,1% dos habitantes eram de trabalhadores industriais e quase 13,6% da população economicamente ativa há 43 anos. Não por acaso, essa classe operária brasileira mais numerosa foi protagonista do maior ascenso de lutas dos trabalhadores na história do país, produzindo na época ferramentas classistas como o PT, a CUT e oposições sindicais que, em um primeiro momento, também constituíam sindicatos independentes dos patrões e dos governos. Também não foi por acaso que ocorreu o maior movimento organizado da história da classe trabalhadora brasileira: a Greve Geral de 14 e 15 de março de 1989. Nesta ocasião, 35 milhões de trabalhadores pararam, o equivalente a 70% da população economicamente ativa do país, naquele ano.
A esquerda anticapitalista frente ao processo de desindustrialização brasileira
Desde a década de 1990, o Brasil tem passado por um processo de desindustrialização contínuo e crescente. Registre-se que esse processo deu os seus primeiros passos na década de oitenta, chamada pelos economistas burgueses de “década perdida”, que foi cruzada por um pesado endividamento externo do Estado brasileiro. Se na década de 1980 o setor industrial chegou a ser responsável por quase metade do Produto Interno Bruto brasileiro, em 2022, a indústria respondeu por somente 23,9% do PIB.
A indústria de transformação, por exemplo, que em 1985 representava 36% do PIB, terminou o ano passado com apenas 11,5% de participação na produção nacional. A nova Divisão Internacional do Trabalho, aberta pela etapa histórica defensiva constituída pela restauração capitalista no Leste Europeu, foi facilitada pelo papel subserviente da burguesia brasileira e pela conivência das direções majoritárias dos movimentos sociais (PT, CUT e sócios menores). Apoiadas nas novas tecnologias e na drástica redução dos serviços públicos e empobrecimento da população, a transformação e redução do Brasil de um país industrializado (ainda que tardiamente) a um país exportador de commodities foi consumada.
Coincidentemente, a esquerda anticapitalista, que até os anos oitenta tinha uma política de inserção nos setores operários, simplesmente abandonou essa perspectiva. Como forma de sobrevivência ao desmonte econômico do país, muitos militantes, a partir dos anos noventa, arrumaram empregos como funcionários do Estado capitalista e passaram a pautar a sua militância por demandas mais economicistas e corporativistas, importantes, mas mais limitadas do que a necessária implantação nos setores estratégicos para a construção de uma perspectiva anticapitalista, ainda que esse último caminho fosse muito mais lento.
Novos atalhos? Frente à marginalização crescente da esquerda anticapitalista dos setores mais explorados, o identitarismo tem sido encarado como uma tábua de salvação. As pautas identitárias têm sido estimuladas e legitimadas pelo capitalismo liberal. E elas partem de uma base real: os altos índices de violência racial, contra a mulher e contra a população LGBTQIAP+ no nosso país. Assim, o Estado capitalista tem ganho velhos e novos ativistas para o sistema, através de uma discussão, onde a exploração e violência de classe sobre classe, sustentada pelo Estado burguês, são dissuadidas e abstraídas. Cria-se assim a falsa sensação de inclusão, que passa, desde as pautas à linguagem, práticas estimuladas pelos grandes meios de comunicação e pelo mercado, tudo somente no aspecto da aparência.
Ser contra a discriminação racial, a LGBTfobia, a misoginia e defender os indígenas, passou a ser a cara de quase a totalidade da esquerda, autoproclamada “revolucionária”. Assim, o Estado burguês tem conseguido neutralizar milhares de ativistas, cooptando-os através do seu regime “democrático” liberal para sua sedutora lógica de representação. É sabido que pautas que envolvem as opressões têm que estar no programa de qualquer organização anticapitalista que honre esse nome. Mas elas têm que estar dentro de uma perspectiva de construção dessa esquerda anticapitalista nos setores operários e proletarizados, ainda que esse processo último seja de muito longo prazo.
Portanto, se a o racismo e a opressão só poderão começar a ser superados com o fim do capitalismo, é preciso novamente ter a estratégia para a implantação nos setores mais pauperizados. Hoje eles estão entregues principalmente ao fundamentalismo religioso. O trabalho a ser feito deverá ser paciente e com muita humildade, sem recorrer aos atalhos.