Depois de uma greve que abrangeu toda a educação federal é essencial fazermos um balanço de nossa luta para refletir sobre suas conquistas, limites, como será a continuidade da nossa luta e quais problemas políticos precisamos superar.
Foi o momento certo para a greve?
Um dos questionamentos feitos foi sobre o momento de nossa greve, pois uma parte dos ativistas afirmava que essa luta poderia fragilizar um governo eleito a partir da derrota da extrema direita, um governo que seria de “esquerda”. De fato, seria mais difícil organizar a luta em um governo que tenta usar a intimidação e as práticas da extrema-direita sobre a organização de trabalhadores, mas este governo, Lula 3, desde o início não escondeu para quem governa, com quem é seu compromisso: com a fração dominante da burguesia, algo que ficou evidente no esforço para aprovar a arcabouço fiscal, o “teto de gastos” atualizado, garantindo a sangria dos recursos públicos para o capital rentista parasitário.
E, ao contrário do que uma parte de dirigentes e militantes disseram, a nossa greve não fortalece a extrema direita, pois somente a classe trabalhadora e suas formas de organização combativas podem combater e impedir a ascensão e o retorno de tendências reacionárias e fascista. Portanto, quanto mais recuamos em nossa luta e organização mais fragilizamos nossa capacidade de combater a extrema direita.
Vitória ou derrota?
O acordo assinado foi rebaixado. Comecemos pela recomposição salarial. Frente as perdas dos TAE’s de 53,05% acumuladas nos últimos dez anos teremos um reajuste de pouco mais 14% e para docentes não chega a 13% frente, enquanto que as perdas somam 39,82%. Tais reposições serão feitas de forma parcelada em 2025 e 2026, enquanto que em 2024 permanece o reajuste zero.
Os reajustes nos auxílios excluem os aposentados. Os técnicos conquistaram uma pequena mudança no plano de carreira (o chamado “STEP”, que possibilita a progressão a cada 12 meses), mas esse acordo condiciona que as categorias não devem entrar em greve por reivindicação salarial novamente até o fim do governo.
Apesar deste quadro limitado é importante reconhecer importantes concessões arrancadas do governo. Redução do interstício e a possibilidade de chegar ao teto da carreira em 15 anos e não 22 como vigora atualmente. O estabelecimento do nível E como referência além do fim da correlação indireta! E finalmente o compromisso em relação à implementação da RSC. A revogação da portaria 983 para docentes representou impediu o aumento da sobrecarga de trabalho docente que já está no limite há algum tempo!
Mas e a recomposição orçamentária? Os recursos “liberados” se resumem a pouco mais do que repor a inflação referente ao orçamento do ano anterior. Esse valores, 750 milhões representam apenas um quinto do valor mínimo reivindicado por entidade como Conif e Andifes para funcionar no ano de 2024!
Poderíamos ter avançado mais na pauta de reivindicações?
Essa foi uma das maiores greves da rede federal de ensino em termos de adesão, então porque não conseguimos ter mais vitórias em nossa pauta? Este é um dos pontos que merecem ainda serem discutidos junto a categoria. A fortalecimento da greve pelo número crescente de adesões foi importante, mas faltaram mobilizações de rua de forma muito evidente. Seria correta que o crescimento da greve estaria ligado apenas ao quantitativo de novas bases que aderiram à greve? De forma contraditória, a adesão massiva não correspondeu a uma presença na rua correspondente e, ao mesmo tempo, houve limites na unificação das lutas.
O setor da educação entrou na greve com significativo intervalo. O início da greve da Fasubra e do Andes teve um intervalo de um mês entre ambas. A constituição dos comandos regionais foi frágil e a greve de outros setores se desencadearam em momentos diferentes. Sem dúvida as direções sindicais majoritárias não fizeram nenhum esforço relevante para unificar as lutas.
Também não investimos no diálogo com o conjunto da classe trabalhadora sobre o que estávamos enfrentando: o próprio arcabouço fiscal!
Erramos na caracterização do governo Lula?
Havia uma certa expectativa em relação ao governo Lula, frente ao compromisso de reconstruir o que foi destruído por Temer e Bolsonaro e a própria deflagração da Greve já demostrava a falácia desta promessa, mas ainda assim predominava a ideia de que não interessava ao governo um desgaste com uma de suas principais bases de apoio. A partir disso a resistência do governo em efetivamente negociar era vista como erro ou incompetência. Interpretação equivocada, pois mesmo em antes de tomar posse em 2003 no primeiro mandato, Lula na carta aos brasileiros comprometia-se a cumprir os contratos, ou seja, garantir o pagamento do serviço da dívida. Naquele período o crescimento econômico permitiu que algumas migalhas a mais caíssem para os serviços e servidores públicos, mas agora – pós crise de 2008 – não sobra mais e o governo se comprometeu frente ao grande capital impedir o fortalecimento de um sindicalismo combativo a independente que pudesse questionar o arcabouço fiscal. Por isso atacou publicamente a greve e novamente usou sua entidade chapa branca, a Proifes. Usou o aparato da justiça burguesa para atacar e inviabilizar a greve dos servidores do Meio Ambiente, questionando na prática o próprio direito de greve. Além disso, está privatizando a gestão de Hospitais federais.
Qual foi o papel das direções sindicais?
As direções majoritárias tiveram papel importante para impedir que a greve explorasse todas as suas possibilidades. Desde o ano passado ainda durante as negociações da campanha salarial 2023 dificultaram qualquer mobilização que incorporasse efetivamente as bases, pedindo que servidores tivessem “paciência” como o governo. Frente as contradições e a condição de arrocho salarial a inevitável e necessária greve foi quase sempre conduzida de forma a evitar ao máximo o desgaste do governo Lula. Defenderam as propostas rebaixadíssimas do governo. Atuaram de uma forma geral muito mais como representantes do governo do que de uma categoria em Greve. Em alguns momentos as posições das direções foram recusadas pela base, mas efetivamente as bases não tiveram condições de superar os limites das direções sindicais, seja ausência de uma vanguarda mais experiente, seja pela crença de que poderia se abrir uma avenida para a extrema-direita. Então nossa tarefa não é somente construir direções que se comprometam com a independência frente à Burguesia, suas instituições políticas e frente ao atual governo, mas organizarmos politicamente a categoria em torno destes princípios.
Como será a continuidade da nossa luta?
- Garantir o cumprimento do acordo de greve: Frente a um governo comprometido com o arrocho fiscal precisaremos estar mobilizados para que o acordo de greve seja cumprido e as reivindicações atendidas.
- Lutar contra a reforma administrativa: Apesar de se colocar contra a Reforma Administrativa tal como esta na PEC 32, o governo não arquivou a mesma
- Luta pela garantia dos mínimos constitucionais de saúde e educação e denúncia do arcabouço fiscal. Isso significa também que mesmo que o acordo coloque um momentâneo limite em relação às reivindicações salariais, não podemos deixar de denunciar as perdas históricas que sofremos.
- Luta contra a privatização da educação e contra as escolas cívico-militares
- Construir na base, nas eleições e congressos sindicais uma alternativa de classe independente do governo e das instituições políticas da burguesia. Precisamos nos comprometer em construir essa alternativa para além de nossa categoria, a partir da unificação das lutas de servidores públicos e de toda a classe trabalhadora.